Exclusivo: alegações finais do caso Filipe Martins expõem falha cronológica no caso do “Whatsapp dos Empresários”
Segundo os advogados, seria humanamente impossível redigir e analisar mais de 120 páginas em apenas seis horas, um feito digno de recorde mundial.

No dia 11 de outubro, os advogados de defesa de Filipe Martins apresentaram as alegações finais no processo em que ele é acusado de incitação ao golpe. Além das provas de que Martins nunca saiu do Brasil e de que houve fraude comprovada no registro do CBP em Orlando, criado retroativamente em 2024 com dados falsos, a defesa também sustentou que não existe qualquer prova material que vincule Martins à autoria de uma suposta “minuta golpista”.
A peça, aparentemente restrita ao caso individual do ex-assessor de Jair Bolsonaro, acabou lançando nova luz sobre a cronologia do episódio do “Whatsapp dos Empresários”. Embora sejam processos distintos, ambos orbitam o delegado Fábio Shor, o jornalista Guilherme Amado e o ministro Alexandre de Moraes.
Leia aqui o documento completo.
A partir da análise de reportagens de A Investigação, os advogados Ricardo Scheiffer e Jeffrey Chiquini notaram um detalhe que até então passara despercebido: o intervalo de apenas seis horas entre o horário oficial alegado na representação do delegado Fábio Shor, da Polícia Federal — protocolada às 17h07 de 19 de agosto de 2022 — e a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que deflagrou as buscas e apreensões às 23h20 do mesmo dia. Segundo os advogados, esse intervalo é materialmente insuficiente para a produção e leitura da “manifestação” de 121 páginas assinada pelo juiz instrutor Airton Vieira, que aparece nos autos como se fosse anterior à decisão ministerial (ver linha do tempo abaixo).









A nova observação traz a peça final que completa o quebra-cabeça do caso e dialoga diretamente com o que já havia sido revelado. Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes, relatou em depoimento ao Senado que produziu um “mapa mental” a pedido de Vieira e que o relatório posteriormente apresentado pelo juiz foi retrodatado.
Em A Investigação, na edição 4 da série Vaza Toga, mostramos que as mensagens de Tagliaferro com Letícia Sallorenzo, a “Bruxa da Vaza Toga”, indicam que ele ainda produzia o material na noite de 27 de agosto, a pedido do gabinete, e que o ministro exigia tê-lo em mãos até a segunda-feira seguinte, 29, data em que levantou o sigilo da operação.
Além disso, A Investigação contratou uma perícia forense independente que confirmou que o relatório de Shor, embora datado de 19/8, teve seus metadados criados no dia 29/8 — o mesmo dia em que Moraes liberou o processo. Até então, a principal hipótese dos defensores do ministro era a de que o arquivo teria sido apenas escaneado nessa data. Mas a defesa de Martins percebeu um ponto decisivo: mesmo que as datas alegadas sejam verdadeiras, a cronologia oficial continuaria impossível.
Procurados, o delegado Fábio Shor e o gabinete do ministro Alexandre de Moraes não se manifestaram até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para eventuais esclarecimentos.
Tempo recorde
Segundo os autos, a representação de Shor foi protocolada às 17h07 de 19/8. A decisão de Moraes, deferindo o pedido, foi assinada às 23h20. Já a manifestação de Airton Vieira não contém data nem horário, mas o texto menciona que ela teria sido redigida após o pedido da PF, simulando ser um parecer prévio.
Ou seja, em apenas seis horas (ou 373 minutos), Airton teria recebido a representação de Shor, redigido 121 páginas (com 42 mil palavras e 267 mil toques com espaço), enviado a Moraes, que as leu, refletiu e redigiu 32 páginas de decisão. Segundo os próprios advogados de Filipe Martins, um digitador altamente treinado alcança no máximo 60 palavras por minuto, o que já exigiria mais de 11 horas de digitação contínua, sem pausa para reflexão, revisão ou formatação. Mantido o intervalo oficial, Vieira teria de produzir cerca de 12 toques por segundo sem interrupção, enquanto Moraes leria e decidiria em ritmo sobre-humano — um cenário, nas palavras da defesa, “fisicamente impossível”.
“Se o que ocorre acima é verdade, estamos diante de dois prodígios inauditos: o juiz Airton Vieira seria o redator jurídico mais rápido do mundo, e o ministro Alexandre de Moraes, o leitor mais rápido do planeta”, escreveram os advogados.
Os advogados afirmam que as provas já bastam para demonstrar a utilização de fontes espúrias e “colaboradores inoficiais”, sem qualquer controle institucional ou cadeia de custódia, configurando lawfare contra aliados do então presidente Jair Bolsonaro. Segundo o documento, esses mesmos “colaboradores” foram usados retroativamente para reforçar decisões já tomadas, conferindo-lhes um falso verniz de legalidade.
A defesa também recordou que o termo “colaborador inoficial” era a designação oficial usada pela Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, para descrever seus espiões e informantes sem vínculo formal com o regime comunista — empregados para monitorar e delatar cidadãos considerados dissidentes. A analogia, segundo os advogados, mostra o grau de desvio institucional alcançado pelas investigações conduzidas sob a autoridade de Alexandre de Moraes.
Resumindo: a emenda saiu pior que o soneto. Há fortes indícios de que a operação da Polícia Federal contra os empresários teve como único fundamento a reportagem de Guilherme Amado, e que tanto o relatório do delegado Fábio Shor quanto a manifestação do juiz instrutor Airton Vieira foram produzidos posteriormente, mas inseridos no processo de forma retroativa para simular uma base prévia. E, mesmo que se admitam as datas oficiais alegadas, permanece uma falha cronológica insanável — um intervalo de tempo que simplesmente não comporta a produção e leitura dos documentos que teriam sustentado a decisão de Moraes.
Vaza Toga: A Bruxa, o Infiltrado e o Delator
Nossa reportagem teve acesso exclusivo a conversas de WhatsApp entre Eduardo Tagliaferro — então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE — e a jornalista Letícia Sallorenzo, conhecida como “Bruxa”. As mensagens expõem como, em agosto de 2022, durante o auge da campanha eleitoral, dados privados de empresários ligados …
Similaridade com a Lava Jato
Nas alegações finais, a defesa de Filipe Martins aponta uma hipocrisia institucional: os mesmos vícios processuais pelos quais a Operação Lava Jato foi amplamente condenada — inclusive por ministros do Supremo Tribunal Federal — agora se repetem nos inquéritos conduzidos pelo próprio STF.
Os advogados lembram que, no julgamento da Vaza Jato, ministros como Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski afirmaram que “o juiz não pode se confundir com a acusação” e que “qualquer comunicação direta entre julgador e investigadores fere a imparcialidade objetiva”. No entanto, observam passivamente que Alexandre de Moraes reproduziu exatamente o mesmo modelo criticado na época, atuando simultaneamente como vítima, investigador e julgador — e com a colaboração direta do delegado Fábio Shor e do juiz instrutor Airton Vieira.
A defesa argumenta que, se os diálogos entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol foram suficientes para anular condenações da Lava Jato, as conversas reveladas pela Vaza Toga entre Eduardo Tagliaferro e Letícia Sallorenzo configuram um caso ainda mais grave. Ali, não se trata de orientações processuais, mas de produção clandestina de provas, troca de informações sigilosas e redação de relatórios dentro do gabinete do próprio ministro relator.
Os advogados afirmam que o sistema montado por Moraes reproduz o mesmo “espírito de exceção” que o STF atribuiu à Lava Jato — mas agora legitimado pela própria Corte que antes o condenava. Em outras palavras, os ministros que se diziam garantistas aplicam contra seus adversários políticos as mesmas práticas que chamavam de lawfare: manipulação de competência, cerceamento de defesa, vazamentos seletivos e decisões pré-formatadas.
Exclusivo: Perícia aponta fraude temporal em relatório da PF que embasou ação de Moraes contra empresários de direita
Um laudo pericial solicitado por A Investigação confirma que o relatório apresentado como fundamento para a operação de busca e apreensão contra empresários bolsonaristas, em 23 agosto de 2022, foi produzido dias depois da ação já ter sido executada. O documento, atribuído ao delegado Fábio Alvarez Shor, aparece datado de 19 de agosto de 2022, mas os me…
Linha do Tempo
17 de agosto de 2022 — Reportagem de Guilherme Amado (Metrópoles)
O jornalista publica mensagens privadas do grupo “Empresários & Política”, onde alguns empresários fazem comentários críticos ao STF e falam em “preferir golpe a ver o PT voltar”.19 de agosto de 2022 — Representação do delegado Fábio Shor (PF)
O relatório de Shor é formalmente datado às 17h07. Segundo perícia posterior, os metadados mostram que o arquivo foi criado apenas dez dias depois, em 29 de agosto
19 de agosto de 2022 — Manifestação de Airton Vieira (juiz instrutor do STF)
A peça, com 121 páginas, aparece nos autos como se fosse posterior à representação da PF, mas anterior à decisão de Moraes. Supostamente produzido entre 17h07 e 23h20.
19 de agosto de 2022 — Decisão de Alexandre de Moraes
Às 23h20, Moraes defere as buscas e apreensões contra oito empresários.
23 de agosto de 2022 — Operação da Polícia Federal
A PF cumpre mandados em residências e empresas de apoiadores de Bolsonaro. A operação gera forte reação política e críticas à falta de fundamentação.
25 de agosto de 2022 — Reportagem da Folha de S.Paulo
Publica críticas à operação, apontando que a decisão se baseou apenas em prints de WhatsApp e sem provas de crime. O texto irrita Alexandre de Moraes, que pressiona seus assessores a “reforçar” a base documental da operação.
27 de agosto de 2022 — Conversas entre Eduardo Tagliaferro e Letícia Sallorenzo (“Bruxa”)
Mensagens mostram que Tagliaferro ainda produzia diagramas e mapas mentais para o juiz Airton Vieira e recebia prints clandestinos de Letícia Sallorenzo, obtidos de um infiltrado no grupo dos empresários.
27 de agosto de 2022 — Criação do relatório de Tagliaferro (metadados)
Os metadados do arquivo indicam criação na noite de 27/8, o que coincide com as mensagens trocadas com Sallorenzo e contradiz a versão oficial de que o relatório era anterior à operação.
29 de agosto de 2022 — Moraes levanta o sigilo
O ministro abre parcialmente os autos à imprensa para conter críticas e legitimar a operação. A perícia posterior identificou que vários arquivos, incluindo o relatório de Shor, foram criados nesse mesmo dia, sugerindo retrodatação.




