Campanha contra a anistia dos presos do 8 de janeiro é turbinada por rede internacional
Aparentando movimento espontâneo, a campanha digital é articulada por ONGs financiadas por fundações estrangeiras e opera com lobby direto sobre o Congresso.
Desde o início do debate sobre uma possível anistia aos presos de 8 de janeiro o tema enfrenta forte resistência do governo Lula, da esquerda e de ministros do Supremo Tribunal Federal. E essa resistência permanece mesmo hoje, 9 de dezembro, quando Paulinho da Força apresentou o substitutivo que transforma o antigo “PL da Anistia” no “PL da Dosimetria”, restringindo a proposta à redução das penas aplicadas pelo STF para atos de motivação política entre outubro de 2022 e a entrada em vigor da lei.
Curiosamente, a oposição ao projeto de anistia inclui figuras beneficiados pela Lei da Anistia no período do Regime Militar, como o próprio presidente Lula — que já afirmou que vetará qualquer projeto aprovado pelo Congresso que resulte em anistia —, além de José Dirceu e Chico Buarque. Para eles, a proposta abriria margem para impunidade em crimes considerados graves contra a ordem democrática e poderia estimular novos ataques ao transmitir uma mensagem de tolerância institucional.
Já os apoiadores argumentam que houve excessos nas condenações do STF, que muitas prisões ocorreram sem provas individualizadas e que a anistia serviria para pacificar o país. A defesa do projeto ganhou força após relatórios que apontaram dezenas violações de direitos humanos nas prisões; e também com as revelações da Vaza Toga 2, que expuseram a atuação de um núcleo informal ligado ao gabinete de Alexandre de Moraes e o uso de critérios ideológicos na manutenção das detenções.
Embora exista uma mobilização legítima de setores brasileiros contra o PL da anistia, a linha de frente dessa articulação é formada por uma coalizão de ONGs que recebem financiamento direto de organizações estrangeiras — entre elas, o National Endowment for Democracy (NED), órgão financiado pelo Congresso dos Estados Unidos para promover ações políticas no exterior, e o International Republican Institute (IRI), ligado ao establishment republicano americano.
Há também outras organizações estrangeiras conectadas ao ecossistema, como a OAK Foundation, Skoll Foundation, Luminate (do Pierre Omidyar), Ford Foundation, International IDEA e Rockefeller Brothers Fund. Além, é claro, da Open Society Foundations, do bilionário George Soros — o “bom velhinho” que despeja milhões para sustentar organizações progressistas no Brasil. Segundo reportagem da Gazeta do Povo, só em 2024 a Open Society repassou US$ 28,4 milhões (cerca de R$ 153 milhões) para ONGs brasileiras.
Ou seja: além da assimetria jurídica produzida por inquéritos repletos de irregularidades, o debate político em torno da anistia também está sendo desequilibrado por uma estrutura profissional de lobby político sustentada por financiamento externo.
O motor por trás da campanha
O carro-chefe da mobilização digital contra o PL da anistia é o site “Sem Anistia pra Golpista”, apresentado como uma mobilização espontânea da sociedade civil. Segundo registros públicos, o domínio do site “Sem Anistia pra Golpista” foi registrado em 8 de janeiro de 2023, no mesmo dia dos atos em Brasília. Apesar disso, a campanha só passou a operar de fato em 26 de novembro de 2024, segundo registros. Foi nessa época que o slogan começou a circular nas redes sociais.
A mobilização ganhou força no início de setembro de 2025, após a oposição conseguir pautar a urgência do projeto no Congresso, e voltou a acelerar em novembro, com a condenação e prisão de Jair Bolsonaro — episódio que reacendeu o uso político da narrativa do “golpismo” e foi imediatamente incorporado pela campanha.
A estética do site segue o padrão das campanhas recentes da esquerda digital, como slogans curtos e apelo emocional. O visitante é conduzido a um formulário para preencher nome, e-mail, WhatsApp e estado, que então dispara automaticamente uma mensagem ao gabinete do deputado Paulinho da Força (SD-SP), pressionando-o a rejeitar qualquer anistia.




Nossa equipe analisou o código do website e os termos da sua “política de privacidade”. Identificamos a presença de ferramentas de rastreamento, scripts de monitoramento e integrações com a plataforma BONDE, que registram cada interação do usuário.
Embora a coleta de dados pessoais seja apresentada como necessária para enviar a mensagem ao deputado, o sistema também captura metadados de navegação e permite o compartilhamento dessas informações com parceiros da organização. A própria política autoriza o chamado “enriquecimento da base de dados”, permitindo que o NOSSAS e os organizadores da campanha cruzem as informações fornecidas pelo usuário com outras fontes externas, algo amparado por cláusulas genéricas e pouco transparentes. Esse mecanismo cria espaço para a formação de cadastros altamente detalhados e para perfilamento ideológico, muito além do que o usuário imagina ao apenas assinar uma campanha. Ou seja, milhares de pessoas acham que só estão “participando de um abaixo-assinado”, mas seus dados podem parar nas mãos de ONGs e articuladores políticos.
O e-mail replicado pelo sistema reforça a narrativa da campanha: acusa o PL de “abrir caminho para novos ataques contra a democracia”, afirma que Bolsonaro “organizou um ataque à soberania do país” e classifica a anistia como “inconstitucional” e um “escárnio”. A mensagem encerra com um apelo: “a sociedade brasileira conta com sua atuação, defenda a democracia!”.
Para o deputado, essas milhares de mensagens parecem expressão espontânea da opinião pública — mas não são. A operação é planejada, roteirizada e executada pela NOSSAS, que utiliza sua plataforma de mobilização digital, o BONDE, para gerar pressão automatizada sobre parlamentares.
Fundada como uma ONG de mobilização social, a NOSSAS se define como defensora da “democracia, justiça social e igualdade”. Na prática, atua exclusivamente em pautas da esquerda, articulando redes progressistas em nível nacional. O BONDE, sua ferramenta central, já foi usado em campanhas de impacto — pressão legislativa, articulação de protestos, coleta massiva de dados de apoiadores e ações de lobby político disfarçadas de mobilização cívica. Também serviu de base para operações do Sleeping Giants Brasil, que miraram veículos e influenciadores conservadores.
A NOSSAS integra redes nacionais e internacionais e é financiada por um conjunto de fundações estrangeiras:
Open Society Foundations (OSF);
OAK Foundation;
Skoll Foundation;
Tinker Foundation;
Malala Fund;
Instituto Avon / parcerias corporativas internacionais;
Luminate (Omidyar Network)
Esse financiamento externo garante musculatura para campanhas de alcance nacional que interferem diretamente no debate político brasileiro, especialmente em momentos sensíveis — eleições, votações estratégicas ou temas de impacto institucional. A ofensiva atual contra a anistia segue o mesmo padrão: operação profissional de mobilização política apresentada ao público como manifestação espontânea.
E, como nas campanhas anteriores, a NOSSAS não age sozinha. O Sem Anistia pra Golpista reúne diversas ONGs e coletivos que compõem o ecossistema progressista financiado por fundações estrangeiras. Entre os signatários estão:
Pacto pela Democracia;
Coalizão Brasil por Memória, Verdade e Justiça;
Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político;
Instituto Clima de Eleição;
Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos;
INESC;
Washington Brazil Office (WBO);
Kurytiba Metrópole;
Muitas dessas organizações também recebem financiamento direto de entidades internacionais.
O Pacto pela “democracia”
Embora a NOSSAS tenha destaque na operacionalização da campanha, um dos supostos cérebros políticos desta articulação é o Pacto pela Democracia, que consta como um dos signatários da campanha “Sem anistia para golpista” e possui em sua rede outras organizações que assinam a carta.
Segundo a CNN, foi o Pacto quem liderou, em maio, a entrega das 180 mil assinaturas ao Congresso (hoje mais de 230 mil), articulou a reunião com a ministra Gleisi Hoffmann e buscou agenda com o presidente da Câmara, Hugo Motta.
O Pacto é uma coalizão ampla que reúne dezenas de organizações brasileiras — entre elas, Conectas, Instituto Sou da Paz, Instituto Beja, NOSSAS, Galo da Manhã, Arapyaú, iCS, Fundação Lemann, Fundação Tide Setubal e outras. Em sua página institucional, o Pacto lista ao menos 20 organizações entre apoiadores atuais, antigos apoiadores e parceiros institucionais, vários deles estrangeiros.
Entre os apoiadores atuais estão a Open Society Foundations, o National Endowment for Democracy (NED) — órgão financiado pelo Congresso dos Estados Unidos — e o International Republican Institute (IRI), instituto ligado ao establishment republicano tradicional. Segundo Mike Benz, ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA e atual diretor da Foundation for Freedom Online (FFO), o NED foi criado nos anos 1980 para assumir, de forma pública, parte das atividades de influência externa antes conduzidas pela CIA, enquanto o IRI funciona como um de seus braços operacionais. Para Benz, instituições como o NED e o IRI atuam como plataformas de influência política internacional, utilizando ONGs e redes civis como instrumentos para projeção de poder no exterior.
Entre os “antigos apoiadores” do Pacto aparecem Fundação Lemann, OAK Foundation, Instituto Arapyaú, iCS e Fundação Tide Setubal. Já entre os parceiros institucionais há entidades como Sitawi, KESEB, Meedan — e até o próprio Supremo Tribunal Federal figura na lista.
O escritório em Washington
Outro signatário relevante da campanha é o Washington Brazil Office (WBO). Criado para atuar como ponte entre o progressismo brasileiro e o establishment político de Washington, o WBO nasceu com a ambição de operar uma diplomacia paralela — uma estrutura capaz de acessar diretamente o Departamento de Estado, parlamentares democratas, organismos multilaterais e centros de decisão que influenciam a política externa dos EUA.
Nas eleições de 2022, o WBO organizou uma comitiva sigilosa a Washington composta por lideranças de ONGs, ex-integrantes de governos petistas e ativistas identitários. A meta era convencer a administração Biden de que Bolsonaro representava um risco real às eleições e que apenas uma resposta externa firme poderia conter esse suposto perigo.
Após as reuniões, multiplicaram-se declarações de confiança no sistema eleitoral brasileiro emitidas pela Casa Branca, pelo Departamento de Estado e por congressistas democratas — incluindo a carta de 39 parlamentares recomendando que Joe Biden deixasse “inequivocamente claro” às Forças Armadas brasileiras que qualquer subversão democrática isolaria o país. Entre os integrantes da comitiva estavam Anielle Franco, Sheila de Carvalho, Paulo Abrão, Rogério Sottili e Paulo Vannuchi — muitos dos quais foram premiados, posteriormente, com cargos no governo Lula.
A organização é dirigida pelo jurista Paulo Abrão, ex-secretário nacional de Justiça no governo Dilma e ex-secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). No conselho, o principal formulador político é o brasilianista James N. Green, professor da Brown University e figura influente na articulação internacional da esquerda brasileira. O WBO compõe ainda a Brazil Office Alliance, uma rede transnacional que envolve o Europe Brazil Office e a Associação Brazil Office, criada para estruturar essa diplomacia paralela em três frentes — EUA, Europa e Brasil.
Além dessas conexões diretas, o WBO integra redes ainda maiores, como a Global Democracy Coalition (GDC). A GDC é financiada por entidades como a Ford Foundation e é coordenada pelo International IDEA, uma organização intergovernamental financiada por governos escandinavos (Suécia, Noruega, Holanda) e por grandes fundações privadas, entre elas Ford Foundation, Open Society Foundations e Rockefeller Brothers Fund.
Essas redes formam a espinha dorsal de um ecossistema internacional que financia, coordena e conecta organizações dedicadas à chamada “defesa da democracia” — quase sempre alinhadas ao mesmo eixo político e às mesmas narrativas globais.
Entre os apoiadores do WBO está a Fundação Ibirapitanga, ligada ao empresário Jorge Paulo Lemann, que mantém um programa específico de apoio a organizações de “democracia e comunicação”. Em depoimento ao Congresso americano, o jornalista Paulo Figueiredo relatou que a viagem da comitiva organizada pelo WBO, em julho de 2022, foi financiada pela Fundação Vladimir Herzog, descrita como “parceira do Washington Brazil Office” na organização da agenda em Washington.
Os próximos passos
Com a divulgação do substitutivo de Paulinho da Força, o debate sobre a anistia entrou em sua fase mais delicada desde 2023. O novo texto — que abandona a anistia ampla e se concentra apenas na redução das penas aplicadas pelo STF — passou a orientar as conversas entre líderes partidários. A janela para votação é mínima. O Congresso entra em recesso em poucos dias, e qualquer atraso empurra o tema para 2026.
O primeiro obstáculo é político. Segundo fontes no Congresso, o presidente da Câmara, Hugo Motta, não pretende pautar uma anistia ampla, geral e irrestrita, e vê na dosimetria a única alternativa com alguma chance de avançar. Essa leitura, compartilhada por parte do centrão, cria um funil que restringe o debate ao substitutivo apresentado por Paulinho — um texto que reduz penas, mas não extingue condenações nem garante a libertação dos presos ou o retorno seguro dos exilados.
A reação das famílias reforça esse impasse. No mesmo dia, a ASFAV — associação que representa familiares de presos e perseguidos do 8 de janeiro — divulgou uma nota dura classificando o substitutivo como um “PL da convalidação dos abusos do STF”, afirmando que a proposta “não enfrenta o cerne das injustiças”. Para a entidade, a dosimetria não corrige as distorções jurídicas, não afeta decisões já moduladas e apenas autoriza mecanismos que o próprio STF recusou aplicar no passado. A posição oficial é de rejeição total ao texto.
Nos bastidores, porém, a situação é mais complexa. Há divisões entre familiares, advogados e parlamentares da oposição. Como explica uma fonte envolvida nas articulações, a dosimetria coloca todos diante de uma escolha desconfortável: “É uma situação entre o nada e algo que não é anistia, mas uma confissão de crimes não cometidos. Muitas pessoas já querem a redução de pena para tirar a tornozeleira ou para voltar para casa.” A tensão interna cresce conforme o tempo político se esgota.
Se o projeto for votado e aprovado na Câmara, seguirá ao Senado, que provavelmente pedirá ajustes na retroatividade e nos efeitos sobre condenações já transitadas em julgado. Qualquer alteração fará o texto retornar à Câmara, o que reduz drasticamente as chances de aprovação antes do recesso. Caso não haja votação nesta ou na próxima semana, o tema deve ser engavetado até fevereiro — e, segundo parlamentares da oposição, a probabilidade de avançar no próximo ano é muito menor.
O que dizem os envolvidos
Nossa equipe entrou em contato com o NOSSAS, com o Pacto pela Democracia e com o Washington Brazil Office para solicitar esclarecimentos sobre o financiamento, a estrutura da campanha e os métodos de mobilização utilizados. Nenhuma das organizações respondeu até o fechamento desta reportagem.







