Missão do MBL: precisamos de mais um partido no Brasil?
Com um público jovem e pautas liberais, o Missão enfrenta o desafio de emergir em um cenário saturado.
O Brasil segue como um dos campeões mundiais na criação de partidos políticos. O mais novo candidato a compor esse já abarrotado cenário é o Missão, uma iniciativa do Movimento Brasil Livre (MBL). Surgido em 2014, o MBL ganhou notoriedade com forte atuação nas redes sociais, especialmente ao liderar manifestações contra a então presidente Dilma Rousseff, que resultaram no impeachment de 2016. Desde então, o movimento ampliou sua atuação, promovendo pautas liberais e conservadoras, com foco em pautas como a redução do tamanho do Estado, redução de privilégios no funcionalismo público, privatizações, endurecimento das leis penais e combate à corrupção.
Atualmente, os integrantes do MBL disputam cargos eletivos por outras legendas, como União Brasil e Novo, mas a criação de um partido próprio visa consolidar uma identidade política independente e permitir maior autonomia estratégica. Isso representa uma tentativa de alinhar ideologicamente os candidatos com o discurso central do movimento, ao mesmo tempo em que estrutura uma base sólida para futuras disputas eleitorais.
Com um público majoritariamente jovem, o MBL utiliza linguagem moderna e ferramentas digitais para engajar essa faixa etária, uma de suas principais bases de apoio. Líderes como Kim Kataguiri, deputado federal e voz institucional do grupo, e Renan Santos, estrategista e coordenador nacional, desempenham papéis centrais no projeto de expansão do movimento. Já o youtuber e ex-deputado estadual Arthur do Val ("Mamãe Falei"), conhecido pelo estilo polêmico, teve sua trajetória abalada por controvérsias. No mesmo ano em que era pré-candidato ao governo de São Paulo, renunciou à disputa após o vazamento de áudios com declarações sexistas durante uma viagem à Ucrânia. Posteriormente, teve seu mandato cassado pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) devido ao episódio, o que impactou ainda mais a imagem do grupo.
Oficialmente lançado em novembro de 2023, o Missão busca sua aprovação com uma campanha de marketing agressiva, simbolizada por uma onça-pintada como elemento visual central. Segundo os organizadores, 811 mil fichas de apoio foram coletadas, superando as cerca de 550 mil necessárias para registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo Renan Santos, o coordernador do MBL, 200 mil já foram validadas. O MBL diz que pretende concluir o processo até outubro de 2025.
Para viabilizar um partido, é preciso coletar apoio equivalente a 0,5% dos votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados, distribuídos em ao menos nove estados. A criação do Missão ocorre em um sistema político saturado, onde 29 partidos registrados disputam espaço e recursos, e 19 outros estão em processo de formação, todos de olho em fatias dos Fundo Eleitoral e Partidário, que somam bilhões de reais destinados ao custeio das campanhas e atividades partidárias.
Afinal, precisamos de mais um partido político no Brasil?
O caso “Aliança Pelo Brasil”
A criação de um partido próprio é um desafio bem maior do que aparenta. Jair Bolsonaro, uma das figuras mais influentes da política brasileira, tentou, sem sucesso, fundar o Aliança pelo Brasil em 2019, após romper com o PSL. A ruptura ocorreu devido a divergências com a liderança de Luciano Bivar e questões envolvendo a divisão do Fundo Partidário.
O Aliança pelo Brasil foi anunciado como a materialização dos valores conservadores bolsonaristas, mas não conseguiu cumprir as exigências legais para registro no TSE. Para ser formalizado, o partido precisava coletar 500 mil assinaturas válidas, distribuídas em pelo menos nove estados do país. Apesar dos esforços significativos, conseguiu apenas cerca de 180 mil assinaturas. Sem tempo hábil para viabilizar a legenda para as eleições de 2022, o projeto foi encerrado no mesmo ano.
Bolsonaro, então, filiou-se ao PL em 2021, em um movimento pragmático. O PL oferecia estrutura consolidada e acesso ao desejado Fundo Eleitoral. Sob a liderança de Valdemar Costa Neto, o partido forneceu suporte para a campanha de Bolsonaro em 2022. Após sua derrota para Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023, com efeito até 2030.
Uma Corrida por Recursos
O Brasil tem atualmente 29 partidos registrados e 19 outros em processo de formação. Esses números não refletem apenas o entusiasmo político nacional, mas também o atrativo financeiro: somente em 2024, cerca de R$ 6 bilhões de recursos públicos — provenientes do Fundo Eleitoral (R$ 4,9 bilhões) e do Fundo Partidário (R$ 1,1 bilhão) — foram destinados ao custeio de campanhas eleitorais. Esses recursos, provenientes dos impostos, são distribuídos proporcionalmente ao desempenho eleitoral, mas até mesmo partidos com representação ínfima garantem uma fatia.
O Partido da Causa Operária (PCO) é um exemplo clássico. Mesmo sem eleger um único vereador nas últimas eleições, recebeu aproximadamente R$ 3,5 milhões em 2022 em fundos públicos, sustentando uma estrutura partidária com impacto eleitoral próximo de zero.
Para tentar controlar a fragmentação partidária, foi criada a cláusula de barreira, ou cláusula de desempenho, uma regra que restringe o acesso pleno ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV para partidos que não alcançam um desempenho mínimo nas urnas. Esse critério foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017, e entrou em vigor nas eleições gerais de 2018, com exigências progressivas.
Atualmente, para que um partido político tenha acesso total a esses recursos, é necessário cumprir ao menos um dos dois requisitos:
Obter no mínimo 2% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos nove estados, com ao menos 1% dos votos válidos em cada um desses estados (a partir de 2026, o percentual sobe para 3%);
Eleger pelo menos 11 deputados federais distribuídos em nove estados.
Essa regra tem como objetivo fortalecer partidos com representatividade real e reduzir o número de legendas com pouca ou nenhuma relevância no cenário político. Como consequência, partidos pequenos enfrentam dificuldades para se manter, especialmente porque ficam limitados na obtenção de recursos financeiros e tempo de propaganda.
A cláusula de barreira já gerou mudanças significativas no cenário político brasileiro. Um exemplo claro foi a fusão entre o PSL e o DEM, que deu origem ao União Brasil, um movimento estratégico para alcançar os requisitos da cláusula e manter pleno acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de mídia.
Apesar da eficácia inicial da medida em promover fusões e enxugar o número de partidos, muitos partidos pequenos conseguem driblar as restrições e continuar existindo, apoiando-se nos 2% do Fundo Partidário que são distribuídos igualmente entre todas as legendas registradas no TSE.
Mais gente de olho na fatia do bolo
Enquanto discutimos o excesso de partidos, outros 19 tentam entrar na fila. Entre as novas propostas estão o Partido do Autista (PA); o Partido Afrobrasilidade (AFRO) e o Partido Democrático Afro-Brasileiro (PDA-B), focados na representatividade negra; o Partido Capitalista Popular (PCP); e o curioso Partido da Segurança Privada (PSP ), que aposta na pauta de segurança e poderia ser chamado popularmente de “Partido do Vigão”.
Uma outra proposta inusitada é o Partido Nacional Corinthiano (PNC), lançado para representar torcedores do time paulista homônimo. Apesar do entusiasmo inicial, o PNC não conseguiu reunir as assinaturas necessárias para registro em 2020.