'Lawfare': a estratégia de Alexandre de Moraes para perseguir opositores
Estudo produzido por advogado e pesquisador descreve as principais táticas utilizadas por Moraes para perseguir adversários
Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou por uma transformação sem precedentes. Sob a justificativa de combater a desinformação e proteger a democracia, o ministro Alexandre de Moraes concentrou poderes de maneira inédita, ultrapassando os limites tradicionais da magistratura.
Por meio de investigações sigilosas, como o Inquérito das Fake News, que em breve completará seis anos, Moraes tem atuado simultaneamente como investigador, acusador e juiz, desfigurando princípios fundamentais do devido processo legal. Essas investigações — sem prazo definido e sem delimitação clara de alvos — tornaram-se instrumentos de controle político, permitindo que críticos do governo e opositores ideológicos sejam monitorados, censurados e até presos sem o devido amparo legal.
Dessa forma, o nome de Alexandre de Moraes tornou-se sinônimo de autoritarismo, perseguição judicial e censura. No entanto, a sua atuação poderia ser definida por um conceito mais preciso: lawfare — o uso do direito como arma política para deslegitimar, perseguir ou aniquilar adversários políticos.
Essa é a conclusão do advogado e pesquisador Enio Viterbo, mestre em história pela Universidade Salgado de Oliveira, doutor em História pela Universidade de Lisboa e especialista em direito constitucional e político. Em um estudo publicado recentemente na Revista Brasileira de Estudos Políticos, da UFMG, intitulado Moraes Damages (em português “Danos Moraes"), Viterbo detalha como o ministro instrumentalizou o uso do direito como ferramenta de coerção, expandindo suas prerrogativas para atingir opositores políticos e ideológicos, transformando inquéritos sigilosos e sem controle externo em instrumentos de repressão.
O termo lawfare ganhou destaque no Brasil especialmente durante os processos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seus advogados, incluindo Cristiano Zanin, atual ministro do STF, difundira a tese de que as acusações contra Lula na Operação Lava Jato representavam um caso de lawfare, em que o sistema legal era manipulado para fins políticos. Na época, o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, foram acusados de colaborar de maneira inadequada para condenar Lula, com o objetivo de impedir sua candidatura nas eleições de 2018.
Essas alegações foram reforçadas por vazamentos de mensagens privadas, conhecidos como Vaza Jato, que sugeriram uma possível parcialidade nos processos judiciais. O conteúdo dessas mensagens foi utilizado para fundamentar decisões do STF que anularam as condenações de Lula, sob a justificativa de que Moro agiu com suspeição e parcialidade. No entanto, as decisões não o inocentaram das acusações, mas sim anularam os processos, permitindo que ele recuperasse seus direitos políticos e concorresse à presidência em 2022.
No livro "Lawfare: Waging War Through Law" (Nova Iorque, Routledge, 2021, 110 p.), coatutorado por Zanin, é argumentado que o lawfare vai além da aplicação seletiva do direito, e envolve um conjunto de táticas organizadas para consolidar um aparato persecutório sob a justificativa de proteção institucional. Segundo Viterbo, embora o debate sobre lawfare tenha perdido força após a anulação dos processos contra Lula, sua aplicação segue evidente — agora, com novos alvos.
A pesquisa identifica seis estratégias recorrentes na atuação de Moraes:
Indústria das multas impagáveis;
Assistentes de acusação ilegais;
Ataques aos advogados;
Falta de transparência;
Competência universal;
Censura.
1. Indústria das multas impagáveis
Segundo Viterbo, uma das principais ferramentas de coerção utilizadas por Moraes é a aplicação de multas desproporcionais e, na prática, irrecorríveis. Os valores elevados inviabilizam a contestação judicial e funcionam como um instrumento de intimidação.
A revista Crusoé foi uma das primeiras vítimas dessa estratégia. No início do Inquérito das Fake News, foi multada em R$ 100 mil mesmo após cumprir a ordem judicial que determinava a remoção de uma matéria sobre o ministro Dias Toffoli. Posteriormente, as multas passaram a atingir grandes plataformas de tecnologia. O Telegram foi punido em R$ 1,2 milhão por não remover conteúdos do deputado Nikolas Ferreira. Já o X (antigo Twitter) pagou quase R$ 30 milhões em multas para conseguir o desbloqueio da rede social no Brasil.
Durante o bloqueio do X, entre agosto e outubro de 2024, houve uma decisão ainda mais drástica com a proibição do uso de VPNs para acessar a plataforma, atingindo diretamente cidadãos comuns. Moraes determinou uma multa de R$ 50 mil por dia para qualquer usuário que fosse flagrado utilizando VPN para burlar o bloqueio e acessar o X. Além de impor uma multa diária 30 vezes maior que o salário mínimo mensal do brasileiro, a medida ilegal e desproporcional criminalizou uma ferramenta amplamente utilizada para proteção da privacidade na internet.
O Partido Liberal (PL) também foi alvo dessa estratégia. Durante as eleições de 2022, o partido apresentou um relatório técnico apontando irregularidades nas urnas eletrônicas. A resposta de Moraes foi uma multa de R$ 22,9 milhões, acompanhada do bloqueio do Fundo Partidário, impossibilitando o funcionamento financeiro da sigla. O pedido de parcelamento foi negado, com a justificativa de que a punição deveria ter um "efeito pedagógico".
De acordo Viterbo, as multas são aplicadas de forma generalizada e sem critérios claros, atingindo desde grandes empresas de tecnologia até cidadãos comuns, como jornalistas e profissionais liberais. A lógica da punição excessiva gera um efeito direto: a autocensura e o medo de contestar decisões judiciais, criando um ambiente de repressão institucional onde a liberdade de expressão e a defesa de direitos fundamentais são constantemente ameaçadas.
2. Utilização de assistentes de acusação ilegais
Outro elemento essencial desse modelo de lawfare é a aceitação de petições de terceiros sem legitimidade processual para atuar nos inquéritos. Quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) se recusava a acatar certas demandas, o ministro permitia que figuras políticas, como o senador Randolfe Rodrigues (ex-PSOL, agora PT), assumissem informalmente o papel de acusadores.
Em um dos casos mais emblemáticos, Randolfe peticionou para que a Presidência da República prestasse esclarecimentos sobre a atuação de Carlos Bolsonaro em uma viagem oficial. Mesmo sem qualquer relação formal com o inquérito, Moraes acolheu o pedido e determinou providências, abrindo um precedente jurídico contestável. Essa tática permite que atores políticos utilizem o STF como ferramenta de perseguição a adversários, ignorando os ritos processuais tradicionais e ampliando a influência de agentes externos nos inquéritos.
Um outro caso semelhante que noticiamos em A Investigação é o da jornalista e linguista Letícia Sallorenzo, conhecida como "A Bruxa", que atuou informalmente nos trabalhos conduzidos por Moraes. Apesar de não possuir qualquer cargo oficial no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ela se apresentava como "colaboradora informal" do órgão e mantinha interação direta com assessores do ministro.
Mensagens reveladas por Glenn Greenwald e Fábio Serapião na Folha de S.Paulo, mostram que Letícia exercia influência sobre decisões relacionadas à censura e remoção de conteúdos críticos ao STF e ao TSE. Fontes internas do tribunal afirmam que ela encaminhava dossiês sobre críticos de Alexandre de Moraes e pressionava diretamente a equipe do ministro para que determinados perfis e postagens fossem derrubados das redes sociais.
Letícia é a responsável por espalhar no brasil a tese de firehosing (estratégia de inundação informacional) que serviu de base para toda a narrativa do golpe de Estado construída pela Polícia Federal. O conceito foi criado pela RAND Corporation, um think tank americano financiado por agências governamentais dos Estados Unidos, incluindo o Departamento de Defesa.
3. Ataques à advocacia e restrição de prerrogativas
Para Viterbo, o exercício da advocacia tornou-se um desafio sem precedentes em inquéritos sob a relatoria de Alexandre de Moraes. Relatos de advogados barrados no acesso a processos, impedidos de visitar clientes presos e até mesmo multados por exercerem sua função tornaram-se cada vez mais recorrentes. Entre os casos mais emblemáticos está o do advogado Paulo Faria, defensor do ex-deputado Daniel Silveira.
Faria foi multado duas vezes, em R$ 10 mil e R$ 2 mil, simplesmente por recorrer de decisões judiciais, um direito básico da defesa. Posteriormente, ao solicitar acesso aos autos e conversão de processos físicos para digitais, recebeu novas ameaças de sanção por "litigância de má-fé". Segundo Faria, Moraes “age nos bastidores para intimidar, coagir e ameaçar partes e advogados”.
Os ataques à advocacia também se manifestaram na imposição de restrições ao contato entre presos e seus defensores. No caso de Roberto Jefferson, o ministro Alexandre de Moraes determinou, inicialmente, limitações severas às visitas na prisão, exigindo autorização prévia até mesmo para advogados, o que gerou fortes críticas. A restrição foi interpretada como uma violação direta ao Estatuto da Advocacia e à Constituição Federal, que proíbe a incomunicabilidade de presos, mesmo em situações excepcionais como o estado de defesa. Diante da repercussão negativa, Moraes reviu sua decisão.
Além das restrições no contato com clientes, advogados enfrentam obstáculos no acesso aos autos dos inquéritos. Moraes determinou que processos específicos tramitassem fisicamente, dificultando que defensores de fora de Brasília pudessem acompanhar os casos. Mesmo quando a habilitação era concedida, havia atrasos injustificados para permitir a consulta aos documentos, tornando praticamente impossível a defesa técnica adequada. Em alguns casos, advogados só tiveram acesso aos autos meses depois de solicitá-los, violando o princípio do devido processo legal.
As investigações conduzidas pelo STF também demonstram uma violação flagrante do sigilo profissional. No inquérito sobre supostos ataques à família do ministro em Roma, o delegado da Polícia Federal Hiroshi de Araújo Sakaki anexou ao processo transcrições de conversas privadas entre advogados e seus clientes, um expediente que atenta contra a confidencialidade garantida pela lei. Além disso, há casos de advogados impedidos de realizar sustentações orais no STF ou com tempo de fala reduzido de forma arbitrária, prejudicando diretamente seus clientes.
Embora não haja, até o momento, registro de qualquer providência significativa tomada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mostrando que a Ordem se mantém omissa diante das arbitrariedades do STF, a entidade tem recebido diversas denúncias sobre a atuação de Moraes. Paulo Faria formalizou quatro denúncias na OAB contra a conduta do ministro.
Em agosto de 2024, o advogado Ezequiel Sousa Silveira registrou uma denúncia na Ouvidoria-Geral do Conselho Federal da OAB apontando uso abusivo e ilegal do aparato estatal pelo ministro Alexandre de Moraes e seus auxiliares no STF e no TSE para perseguir adversários políticos. A denúncia cita violações da Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) e crimes de responsabilidade previstos na Lei 1079/50, requerendo intervenção do Ministério Público, do Senado Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a abertura de procedimentos contra Moraes e seus juízes auxiliares. Segundo Silveira, até hoje não houve retorno da OAB.
Os abusos contra a advocacia e a interferência do Judiciário na defesa são características comuns em regimes autoritários, onde o Estado usa seu aparato para inviabilizar o contraditório. A postura de Moraes, ao mesmo tempo em que fragiliza garantias processuais, contribui para consolidar um ambiente de medo entre advogados, jornalistas e cidadãos que ousam questionar suas decisões.
4. Falta de transparência
Outro mecanismo utilizado pelo ministro Alexandre de Moraes para restringir o direito à defesa é a dificuldade de acesso aos autos dos inquéritos, criando um ambiente de total falta de transparência processual. O Inquérito das Fake News (4781/DF), por exemplo, tramita fisicamente, uma escolha incomum e sem justificativa técnica, que impõe um ônus excessivo aos advogados, especialmente àqueles que não residem em Brasília. Sem acesso digital, defensores precisam viajar constantemente até a capital para consultar os autos, tornando o trabalho da defesa mais caro, burocrático e ineficiente.
Além disso, mesmo para aqueles que conseguem estar fisicamente no STF, o acesso não é garantido. Moraes exige que os advogados passem por um procedimento de "habilitação", que consiste na análise prévia e subjetiva sobre quem pode ou não acessar os autos. Esse processo, em um inquérito que já ultrapassa seis anos e soma milhares de páginas, é demorado e serve como barreira quase intransponível à defesa. Na prática, advogados são impedidos de atuar enquanto aguardam a liberação, ficando à mercê de decisões monocráticas do ministro.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) também já denunciou a falta de transparência no inquérito das Fake News, argumentando que o modelo adotado por Moraes viola o devido processo legal. O inquérito foi instaurado de ofício pelo STF, sem provocação do Ministério Público, e conduzido sem a participação efetiva da PGR, o que compromete a imparcialidade das investigações. Essa concentração de poderes em um único magistrado vai contra os princípios constitucionais do juiz natural e cria um sistema no qual Moraes atua simultaneamente como investigador, acusador e julgador.
A falta de sorteio para a relatoria dos inquéritos também foi criticada por especialistas, já que permite que Moraes se autodesigne para conduzir processos de alto impacto político sem qualquer critério objetivo. Isso contraria normas processuais que garantem a imparcialidade do julgador e ampliam o risco de perseguições jurídicas seletivas.
Mesmo frente a reiteradas queixas de advogados, Moraes tem ignorado a Súmula Vinculante nº 14 do STF, que garante acesso irrestrito aos autos para advogados habilitados. A recusa de acesso aos processos impossibilita a elaboração de estratégias de defesa e deixa investigados em um limbo jurídico indefensável.
A manutenção dessas barreiras processuais reforça o caráter arbitrário e autoritário dos inquéritos conduzidos por Moraes. A ausência de transparência, o impedimento do exercício da advocacia e a centralização de poder consolidam um modelo de repressão institucional, onde a justiça se torna instrumento de perseguição política.
5. Competência universal
A ampliação da jurisdição do Supremo Tribunal Federal sob a relatoria de Alexandre de Moraes gerou o que especialistas passaram a chamar de "competência universal". O ministro, que deveria atuar dentro dos limites estabelecidos pela Constituição, passou a conduzir investigações que extrapolam o escopo tradicional da Corte, incluindo cidadãos sem foro privilegiado, empresários, militares, parlamentares e até figuras internacionais, como Elon Musk. A justificativa para essa expansão sempre recai sobre uma suposta "conexão" entre diferentes inquéritos, permitindo que qualquer indivíduo ou entidade se torne alvo das investigações conduzidas pelo ministro.
Essa prática tem consequências diretas no sistema jurídico brasileiro, uma vez que o STF, como instância máxima do Judiciário, não deveria ser a primeira a julgar pessoas comuns. No entanto, ao atrair processos que normalmente estariam na primeira instância, Moraes inviabiliza a possibilidade de recursos e de um devido processo legal equilibrado, já que suas decisões se tornam definitivas sem possibilidade de revisão por tribunais inferiores.
Um outro exemplo dos impactos dessa ampliação de competência é o caso de presos do 8 de Janeiro que tiveram habeas corpus negado sob a justificativa de que não cabe esse tipo de questionamento contra decisões individuais de ministros do STF. O próprio Supremo firmou um entendimento, baseado na Súmula nº 606, de que não cabe habeas corpus contra atos de seus ministros, tornando qualquer contestação praticamente impossível. Na prática, isso significa que um cidadão comum pode ser investigado, processado e ter sua liberdade restringida diretamente pelo STF sem acesso a recursos em instâncias inferiores.
Mesmo dentro do próprio STF, recorrer dessas decisões é quase impossível. O ministro que decide sozinho um caso também tem o poder de barrar qualquer tentativa de recurso, impedindo que o assunto seja analisado pelos demais ministros. O único caminho seria recorrer ao próprio Alexandre de Moraes, que dificilmente mudaria a própria decisão. Com isso, cria-se um sistema onde um único magistrado pode decretar prisões e restrições sem que haja qualquer possibilidade real de contestação.
Essa dinâmica transforma o STF, e especificamente o gabinete de Moraes, na instância única de julgamentos, eliminando salvaguardas fundamentais do devido processo legal. A ausência de critérios objetivos para a conexão entre os inquéritos permite que o ministro decida, sem qualquer controle externo, quais casos irá absorver para sua relatoria. Esse modelo, além de comprometer a imparcialidade da Justiça, estabelece um precedente perigoso para o uso do Poder Judiciário como ferramenta de controle político e social.
6. Censura judicial
O uso da censura como ferramenta de repressão ficou evidente desde os primeiros atos do inquérito das Fake News. Sob a justificativa de combater a "desinformação", decisões judiciais passaram a remover conteúdos de forma arbitrária, muitas vezes sem que os alvos sequer soubessem das acusações ou tivessem direito a defesa.
O primeiro caso de grande repercussão envolveu a revista Crusoé, que publicou uma reportagem sobre um suposto desvio de conduta do ministro Dias Toffoli. Após um telefonema do próprio Toffoli, Moraes ordenou a remoção imediata da matéria, sob o argumento de que se tratava de "fake news". Quando a revista provou que o documento era real, já havia sido multada em milhares de reais. Esse episódio gerou críticas internacionais, mas foi apenas o início do uso sistemático da censura pelo STF.
Desde então, essa prática se intensificou. Durante as eleições de 2022, Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, determinou a remoção sigilosa de conteúdos e o bloqueio de perfis de jornalistas e influenciadores. A lista de censurados incluía nomes como Luciano Hang, Jovem Pan, Gazeta do Povo, Brasil Paralelo e até o economista Marcos Cintra, opositor de Bolsonaro. Em muitos casos, as contas eram suspensas sem qualquer notificação, impedindo que os atingidos recorressem. No caso de Hang, por exemplo, seu perfil permaneceu bloqueado por dois anos, sem que houvesse prova concreta de crime.
A politização da censura ficou ainda mais evidente quando a imprensa revelou mensagens de assessores do TSE e STF discutindo estratégias para justificar medidas contra a Revista Oeste. Em uma das conversas, chegou a ser sugerido que “usassem a criatividade” para encontrar algo que pudesse embasar uma punição contra o veículo. Esse modelo de censura sob demanda se repetiu diversas vezes. No caso da Rádio Jovem Pan, por exemplo, o TSE proibiu que qualquer comentarista mencionasse a “descondenação” de Lula, sob pena de multa de R$ 25 mil por dia.
O Twitter Files Brasil expôs documentos internos do X (antigo Twitter) revelando que o TSE e o STF não apenas determinavam remoções, mas exigiam dados pessoais de usuários sem ordem judicial. Em um caso específico, foi solicitado ao Twitter que revelasse os IPs e identidades de usuários que usaram determinadas hashtags. O próprio departamento jurídico da plataforma alertou que tais exigências violavam o Marco Civil da Internet, mas mesmo assim as ordens foram cumpridas.
Outro episódio significativo foi a censura prévia imposta ao documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?, produzido pela Brasil Paralelo. O TSE determinou sua remoção de todas as plataformas antes mesmo de sua estreia, sob a justificativa de que poderia influenciar as eleições. Esse modelo de censura preventiva também foi aplicado ao O Antagonista, que foi proibido de mencionar investigações sobre ligações entre facções criminosas e o PT.
A censura também se estendeu a figuras independentes. O youtuber Monark, por exemplo, foi alvo de bloqueios sistemáticos e, após sucessivas sanções, deixou o Brasil. No caso do ex-deputado Homero Marchese, sua conta foi bloqueada simplesmente por compartilhar informações públicas sobre a agenda de ministros do STF. Quando seus advogados tentaram recorrer, só descobriram a decisão 17 dias depois, ao ligarem para o gabinete de Moraes.
A censura, antes restrita a medidas excepcionais, se tornou um mecanismo contínuo de controle da narrativa pública, consolidando um ambiente onde a crítica política pode ser silenciada a qualquer momento.
O STF como ferramenta política
Durante audiência pública sobre as implicações das decisões tomadas no âmbito do Inquérito nº 4.781, o Inquérito das Fake News, convocada pela deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC), realizada em dezembro de 2024 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Viterbo apresentou sua pesquisa e detalhou sobre a institucionalização, por parte de Alexandre de Moraes, do uso lawfare, aplicando-o de maneira sistemática em seus inquéritos. O uso da lei como ferramenta de repressão política tem se mostrado ineficaz para conter o extremismo e, paradoxalmente, tem contribuído para a radicalização do ambiente político e social.
Viterbo destaca também a atuação política do STF e de Moraes. A atuação política do STF e do TSE nas eleições de 2022 foi explícita e incontestável. Sob o pretexto de combater a desinformação, o TSE implementou uma série de medidas que resultaram na remoção de conteúdos, no bloqueio de perfis e na desmonetização de canais de comunicação, afetando desproporcionalmente um dos lados da disputa.
Para Viterbo, a parcialidade, no entanto, tornou-se ainda mais evidente após a eleição, quando ministros do STF e do TSE participaram da celebração para comemorar a vitória de Lula na eleição, organizada pela futura primeira-dama, Janja, na residência do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. O evento, que reuniu figuras proeminentes do Judiciário, como Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, também contou com a presença de políticos influentes alinhados ao novo governo.
Enquanto este texto era editado, li a notícia abaixo sobre um novo jantar que irá reunir ministros do STF e o presidente Lula. No X, o influenciador Ivanildo Terceiro fez o seguinte comentário ironizando a situação: “Os juízes que vão julgar o principal opositor do Lula o convidaram para um jantar. Devem discutir futebol e o clima, certamente.”
Além da presença em eventos festivos, declarações públicas dos próprios ministros escancararam o engajamento político da Suprema Corte. Durante a diplomação do presidente eleito, o ministro do TSE Benedito Gonçalves foi flagrado cochichando a Alexandre de Moraes: "Missão dada é missão cumprida". Gilmar Mendes, em outra ocasião, declarou que "Lula só foi eleito por causa de uma decisão do STF". Em um evento da União Nacional dos Estudantes, Luís Roberto Barroso foi além ao afirmar: "Nós vencemos o bolsonarismo", confessando que a Corte não se via apenas como mediadora, mas como parte ativa da disputa.
Além de decisões judiciais que impactam diretamente o cenário eleitoral, ministros participam de eventos públicos, como inaugurações de obras e reuniões políticas, e frequentemente dão declarações à imprensa sobre temas diversos, muitas vezes antecipando entendimentos sobre casos que ainda não foram julgados. Essa expansão de poder também se manifesta na ingerência sobre o Legislativo. Sob a justificativa de inação parlamentar, o STF avança sobre atribuições do Congresso, propondo diretrizes para regulamentações e, quando não são aprovadas, impondo-as por meio de decisões judiciais. O caso do PL das Fake News ilustra esse fenômeno: após a proposta enfrentar resistência no Congresso, Moraes passou a determinar restrições e sanções diretamente.
Segundo Viterbo, em vez de pacificar o país, a perseguição seletiva e a censura estatal alimentam a desconfiança nas instituições e ampliam as tensões entre grupos políticos. Para ele, as práticas adotadas por Alexandre de Moraes alteraram profundamente o equilíbrio entre os Três Poderes. O STF, que deveria atuar como guardião da Constituição, tem sido utilizado como um tribunal de exceção, onde opositores políticos são alvos de investigações intermináveis, submetidos a censura e punidos com multas abusivas.
A instrumentalização do Judiciário para fins políticos tornou-se um elemento central na estrutura de repressão estatal, comprometendo o princípio da imparcialidade e da segurança jurídica. A manutenção desse estado de exceção jurídico representa um dos maiores desafios para a democracia brasileira, exigindo um debate amplo sobre os limites do poder do STF.
Ao ler isso tudo, esses completos absurdos, vai dando uma revolta muito grande. É uma situação tão absurda que nem uma comédia pastelão teria tanta ousadia. Aliás, bem que alguém poderia utilizar esse artigo como base para um roteiro de filme de comédia trágica. Alguém tem que retratar isso de forma que o leigo, o brasileiro médio de QI 80 (para não ofender o afegão), entenda.
Excelente texto! Retrata exatamente o que está acontecendo no Brasil atual. Digno de ser ampliado pelo autor, e lançado em livro. Parabéns.