Exclusivo: e-mail oficial mostra que Janja foi promovida por agência contratada pela COP30 com verba da ONU
Documento oficial do Departamento de Justiça dos EUA aponta que a Edelman, agência contratada com verba do PNUD, promoveu a primeira-dama como porta-voz internacional da COP30.

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A primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, foi promovida internacionalmente como uma das principais vozes da COP30 em um e-mail oficial enviado pela Edelman, agência de relações públicas contratada para cuidar da comunicação do evento. O contrato, de US$ 835 mil, foi financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) a pedido do governo Lula — e a Edelman é conhecida por atender grandes empresas de combustíveis fósseis, como Shell, Chevron e ExxonMobil.
O e-mail, registrado no Departamento de Justiça dos Estados Unidos, foi distribuído pela sede da Edelman em Nova York em 22 de setembro. O documento integra os registros obrigatórios sob a Lei de Agentes Estrangeiros (FARA), que obriga empresas contratadas por governos ou entidades estrangeiras a declarar suas atividades de comunicação nos EUA.
O texto oferecia entrevistas a jornalistas com “líderes mulheres da COP30”, destacando Janja como porta-voz para discutir “violência de gênero, insegurança alimentar e participação feminina na política”. Outras mulheres são citadas — Jurema Werneck, Denisa Dora, Marina Grossi, Elbia Gannoum e Sineia do Vale —, mas a primeira-dama aparece em posição de destaque, descrita como uma “voz central” da conferência.
Naquele momento, Janja já estava em Nova York para participar da Climate Week NYC 2025, um dos principais eventos globais sobre meio ambiente e sustentabilidade, realizado anualmente como extensão da agenda da ONU e preparação para a COP, que acontecerá em novembro. Sua presença integrava a estratégia do governo brasileiro de projetar o país como liderança ambiental e consolidar a imagem da primeira-dama como voz feminina da conferência.
Durante o evento, em 24 de setembro, Janja foi destaque em um painel promovido pela Food Tank e pela NOW Partners, em parceria com o Ministério da Fazenda do Brasil, no estúdio da NPR. Na conversa, falou sobre o papel da vontade política no combate à fome, destacou o avanço das mulheres nas políticas climáticas e defendeu uma visão de sustentabilidade que inclua dimensões sociais e de gênero, não apenas ambientais. Ela também comemorou o fato de o governo Lula ter retirado 40 milhões de pessoas da fome em dois anos — uma informação enganosa que já desmentimos em A Investigação, mostrando que o governo distorceu dados e ignorou o contexto da pandemia.
O painel ocorreu dois dias após o envio do e-mail da Edelman, que oferecia entrevistas com Janja e outras porta-vozes da COP30 a jornalistas estrangeiros. A cronologia indica que a agência aproveitou a presença de Janja na cidade para promovê-la junto à imprensa internacional. Ainda assim, não há registros de que a ação tenha resultado em entrevistas de grande repercussão fora do Brasil.
Na prática, a ONU pagou uma das maiores agências de publicidade do planeta para tentar promover a imagem da primeira-dama do Brasil, vinculando seu nome à agenda climática mundial. A ação foi feita em nome da Presidência da COP30, chefiada pelo governo brasileiro, e tinha como objetivo ampliar o alcance de porta-vozes “estratégicos” junto à imprensa estrangeira. O problema é que Janja não ocupa cargo técnico na conferência. Mesmo assim, foi colocada no centro da comunicação internacional financiada com verba pública.
Desde o início do governo, Janja passou a exercer um papel que ultrapassa o de uma primeira-dama tradicional, com influência direta em decisões políticas e na comunicação do Planalto. Montou um “gabinete paralelo” dentro da Presidência, com equipe, assessoria e estrutura custeada por recursos públicos, e passou a representar o governo em eventos nacionais e internacionais — muitas vezes no lugar de ministros. As suspeitas de uso indevido de recursos e de autopromoção levaram à abertura de investigações no TCU, na CGU e no Conselho de Ética da Presidência, todas arquivadas sem responsabilizações.
O que dizem os envolvidos
A Investigação enviou pedidos de esclarecimentos ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), à Presidência da COP30 e à agência Edelman. As instituições solicitaram mais tempo para responder, alegando prazo curto, mas, mesmo após a prorrogação concedida por nossa equipe, nenhuma resposta foi recebida até o fechamento desta reportagem.
Também foram enviados questionamentos ao Itamaraty e à Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), que igualmente não responderam. No entanto, dois dias após o contato, em pleno feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro), o site Poder360 publicou uma nota revelando um decreto presidencial que amplia o acesso da primeira-dama aos serviços do Gabinete Pessoal do presidente. O Decreto nº 12.604, assinado por Lula em 28 de agosto, havia passado despercebido por mais de um mês e, segundo fontes do próprio portal, só foi identificado recentemente.
O texto autoriza a designação de servidores públicos para assessorar a primeira-dama em “atividades de interesse público”, vinculando formalmente a estrutura do Gabinete Pessoal da Presidência ao atendimento de demandas de Rosângela Lula da Silva — na prática, institucionalizando o seu “gabinete paralelo”.
A publicação veio acompanhada de uma nota da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), segundo a qual o decreto “consolida e dá transparência” a práticas já existentes, baseadas em pareceres anteriores da Advocacia-Geral da União (AGU).
Com o novo texto, o governo procura dar respaldo administrativo à equipe que assessora Janja em agendas nacionais e internacionais. A justificativa, no entanto, gerou reações contrárias no Congresso. Os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e André Fernandes (PL-CE) anunciaram a apresentação de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar o ato presidencial, além de um pedido de informações ao Executivo.
Conflitos de interesses e incoerências
A escolha da Edelman para comandar a narrativa global da COP30 gerou controvérsia desde o início entre grupos ambientalistas. A agência presta serviços para empresas do setor fóssil e já foi criticada em vários países por campanhas de greenwashing — o marketing verde usado para amenizar a imagem de poluidores.
Enquanto o governo Lula tenta se apresentar como liderança ambiental, a agência responsável por moldar a imagem da COP30 é a mesma que trabalha para gigantes do petróleo — e agora promove a primeira-dama como símbolo de inclusão e equidade.
Eas contradições não param por aí. Enquanto o governo defende “pautas verdes”, a infraestrutura de Belém — sede do evento — está em colapso: falta de saneamento básico, obras atrasadas, hospedagens inflacionadas e denúncias de despejos de moradores para abrigar delegações estrangeiras. Países pobres e movimentos sociais reclamam exclusão e chamam a conferência de “a menos inclusiva da história”, com indígenas, quilombolas e ribeirinhos relegados a eventos paralelos.
Somam-se ainda denúncias de superfaturamentos e contratos sem licitação que ultrapassam R$ 400 milhões. Entre os exemplos estão obras emergenciais com preços inflados, hospedagens de luxo e o uso de cruzeiros para acomodar delegações. O discurso de austeridade contrasta com a realidade de uma conferência marcada por desperdício, autopromoção e desorganização.
O protagonismo de Janja
Desde o início do terceiro mandato de Lula, a primeira-dama passou a exercer influência que vai muito além do papel tradicional — e, segundo críticos, sem qualquer controle institucional. Seu protagonismo se tornou visível em viagens, eventos oficiais e decisões de bastidor. Janja ocupa hoje um espaço de poder não formalizado, transformando o papel de “primeira-dama” em uma espécie de assessoria paralela com influência direta sobre o presidente.
Em diversas ocasiões, Janja viajou antes de Lula para países onde o governo teria compromissos oficiais. Foi assim no Japão, quando embarcou dias antes da comitiva presidencial e disse ter ido “com a equipe precursora” para reduzir custos. O mesmo ocorreu na Rússia, quando chegou a Moscou quase uma semana antes do presidente — visitou o Kremlin.

Situações semelhantes ocorreram em Portugal, em 2023, quando participou de encontros em agendas não registradas nos comunicados do Itamaraty, e aproveitou para fazer compras em loja de luxo; e na Itália, onde chegou antes da comitiva para reuniões na FAO e eventos sobre mulheres na política, obrigando a diplomacia brasileira a adaptar compromissos para incluir sua presença.
O episódio mais recente ocorreu em Nova York, em setembro de 2025, durante a Semana do Clima da ONU. Janja viajou antes de Lula e participou de painéis ligados à COP30 — justamente no mesmo dia em que a Edelman, contratada com verba da ONU, distribuiu o e-mail registrado no Departamento de Justiça dos EUA oferecendo entrevistas com “líderes mulheres da COP30”.
Nos bastidores do Planalto, auxiliares do Itamaraty admitem que a presença antecipada da primeira-dama não é protocolar nem obrigatória. Ainda assim, tornou-se uma prática recorrente. As justificativas variam entre “adiantamento de agendas de articulação” e “visitas de caráter social”. Mas o efeito político é outro: enquanto o presidente desembarca dias depois, Janja já está em fotos oficiais, recebendo ministros, participando de encontros com lideranças estrangeiras e ocupando o protagonismo da viagem.
Segundo apuração do Portal Metrópoles, em apenas sete meses como primeira-dama, Janja viajou com Lula mais do que Michelle Bolsonaro viajou com o marido em quatro anos de governo. Um segundo levantamento, do Poder360, publicado em setembro de 2025, mostra que desde a posse do petista, Janja já havia passado 145 dias fora do Brasil — o equivalente a cerca de 15% do governo Lula no exterior, praticamente um dia fora a cada sete de mandato. Ao todo, foram 33 viagens por 35 países, 21 dias a mais que o próprio presidente no mesmo período.
Nestas inúmeras viagens internacionais, Janja é acusada de ter cometido gafes igualmente numerosas. A mais emblemática ocorreu em um jantar em Pequim, em 2025, quando, diante do presidente chinês Xi Jinping, pressionou sobre a regulação da rede social chinesa TikTok, causando constrangimento na comitiva brasileira. Meses antes, durante um evento ao lado de Felipe Neto no G20, interrompeu o discurso para gritar — “fuck you, Elon Musk!” —, episódio que ganhou repercussão mundial e foi criticado por sua falta de diplomacia. As gafes têm alimentado desconforto dentro da própria base governista e contribuído para o aumento da rejeição à primeira-dama: segundo pesquisa PoderData divulgada no início de outubro, 61% dos brasileiros desaprovam sua atuação, o maior índice em mais de um ano — um salto de 11 pontos em relação à última medição.
O gabinete paralelo de Janja
Janja também assumiu papéis que tradicionalmente caberiam ao presidente ou a ministros. Nas enchentes do Rio Grande do Sul, Janja liderou comitivas oficiais, concedeu entrevistas e fez anúncios em nome do governo, enquanto Lula permaneceu em Brasília.
Além de participar de reuniões e viagens oficiais, Janja é citada por ministros como interlocutora ativa em decisões internas. Reportagens revelaram que teve influência em sugestões de nomes para ministérios e em escolhas no primeiro escalão, incluindo vetando alguns nomes.
Em 2023, a primeira-dama ganhou um “gabinete informal” no Palácio do Planalto, com sala, equipe de apoio e estrutura de despachos. Segundo apuração do Estadão, a equipe “informal” de Janja está longe de ser gratuita — e custa caro aos cofres públicos. Desde o início do governo Lula, em 2023, a primeira-dama conta com ao menos 12 pessoas à sua disposição, entre elas uma assessora de imprensa, fotógrafos, especialistas em redes sociais e até um militar como ajudante de ordens. O grupo recebe cerca de R$ 160 mil mensais em salários e já gastou R$ 1,2 milhão em viagens oficiais.
Entre os nomes citados está o do fotógrafo que acompanha Janja em viagens nacionais e internacionais. Desde o início do mandato, suas despesas somam R$ 182,3 mil, sem incluir os custos de voos da Força Aérea Brasileira (FAB) — mantidos sob sigilo por razões de segurança. Além do grupo fixo, a primeira-dama viaja acompanhada de um esquema próprio de segurança, composto por policiais federais. Em Paris, durante a abertura das Olimpíadas, o aparato chegou a incluir oito agentes e delegados.
O caso chegou ao Conselho de Ética Pública da Presidência, que abriu investigação sobre eventual uso indevido de espaço e recursos públicos. O processo foi arquivado “por ausência de materialidade”.
Uma representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu a investigação de um possível desvio de finalidade no uso de recursos públicos pela ApexBrasil e pela primeira-dama Janja, em um desfile de moda realizado em um espaço de luxo em Paris. O evento, que além de Janja contou com a presença da primeira-dama da França, Brigitte Macron, reaalizado em julho, foi questionado por supostamente servir à autopromoção pessoal da brasileira. O TCU, contudo, arquivou o caso no final de agosto, alegando que a denúncia se baseava apenas em uma reportagem jornalística, sem apresentar indícios concretos de irregularidade que justificassem a continuidade da investigação.
Semelhantemente, em fevereiro de 2025, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) apresentou uma representação à CGU pedindo investigação sobre os gastos da viagem de Janja à Itália, onde participou de eventos e se encontrou com o Papa Francisco. O pedido citava uma passagem aérea de R$ 34,1 mil em classe executiva, custeada com recursos públicos. O caso não teve desdobramentos na CGU e não houve responsabilização.
No entanto, em março de 2025, a Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu arquivar as denúncias, sob o argumento de ausência de indícios de irregularidade. A decisão, assinada pelo procurador-geral Paulo Gonet, destacou que a atuação de primeiras-damas em atos protocolares é prática tradicional no Brasil e em outros países, não configurando desvio de finalidade nem uso indevido de recursos públicos.
Janja reagiu às críticas e atribuiu a polêmica ao que classificou como “machismo”. Ela argumentou que primeiras-damas de outros países — como as dos Estados Unidos e do Paraguai — dispõem de gabinetes estruturados, com equipe própria e funções oficiais de representação, e defendeu ter direito a tratamento semelhante. Em relação às críticas pelas gafes e falas em eventos internacionais, disparou: “Não há protocolo que me faça calar!”
Questão legal
A promoção internacional da primeira-dama acendeu o alerta entre juristas e especialistas em direito público. Para Géssica Almeida, presidente do Movimento Advogados de Direita Brasil, o episódio “revela a confusão entre o público e o privado que se tornou marca deste governo”.
Segundo ela, é juridicamente grave e eticamente inaceitável que recursos da ONU e do Estado brasileiro sejam usados para projetar a imagem da esposa do presidente como ‘porta-voz global’, sem que ela ocupe cargo público ou possua competência técnica para representar o país em negociações internacionais. “Essa conduta afronta os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no artigo 37 da Constituição Federal”, afirmou.
Géssica ressalta que a trajetória de Rosângela Lula da Silva, ex-funcionária da Itaipu Binacional e sem histórico diplomático, não justifica o protagonismo que ela vem assumindo em agendas oficiais e comunicações internacionais financiadas com verba pública. “Utiliza-se dinheiro público e recursos da ONU para promover uma figura privada — e o mais irônico é que isso é feito por uma empresa que presta serviços a gigantes do setor de combustíveis fósseis, como Shell, Chevron e ExxonMobil”, criticou.
Para a advogada, a operação conduzida pela agência Edelman “transforma a pauta ambiental em marketing político travestido de sustentabilidade”. Ela também apontou a contradição entre o discurso do governo sobre “equidade e justiça climática” e o gasto crescente com viagens, consultorias e estruturas paralelas. “A presença da primeira-dama em funções próprias do Itamaraty e de ministros reforça a existência de um gabinete informal e não eleito, que opera à margem da legalidade e da transparência”, afirmou.
“A verdadeira liderança feminina não se afirma sob holofotes, mas pela força moral, pelo mérito e pela coerência entre o que se diz e o que se faz”, Géssica Almeida.
O Brasil é o quintal da casa do casal.
É um bombardeio de coisas erradas, tudo ao mesmo tempo para tentar normalizar roubos, absurdos etc.
Método!