Como Patrícia Lélis transformou o Project Veritas em sua arma de vingança pessoal
Procurada pelo FBI, Patrícia cooptou o veículo conservador decadente e tem o utilizado para perseguir desafetos
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No dia 11 de outubro, o grupo de mídia conservador americano Project Veritas noticiou que dois brasileiros haviam sido presos na Flórida. Entre as acusações estavam participação na organização criminosa venezuelana Tren de Aragua, tráfico sexual de menores e um suposto plano de atentado contra uma sinagoga em Orlando, além de imigração ilegal. Era uma trama tão absurda que nem o roteirista mais criativo de Hollywood teria imaginado. Mesmo assim, a notícia viralizou rapidamente entre o público conservador americano e repercutiu em parte da imprensa brasileira, como a TV Record.
Mas havia algo que a reportagem do Veritas convenientemente não destacou: a participação de Patrícia Lélis, influenciadora brasileira, de 31 anos, conhecida no Brasil por uma longa lista de mentiras públicas, denúncias infundadas e esquemas fraudulentos. Atualmente, Patrícia encontra-se foragida do FBI, acusada formalmente por fraude migratória, roubo de identidade agravado e lavagem de dinheiro, crimes que lesaram imigrantes em mais de 700 mil dólares. Apesar desse histórico, Patrícia é anunciada pelo Veritas em suas “investigações” como sua whistleblower (informante).
Outro fato omitido é que Janaína Toledo, a brasileira presa, é um antigo desafeto de Patrícia. Inicialmente amigas, ambas têm longo histórico de troca de farpas online e até mesmo processos judiciais mútuos.


À nossa reportagem, Patrícia negou ter colaborado com o Project Veritas, afirmou não ter participado de qualquer investigação sobre os brasileiros Janaína Toledo e Leonardo Corona Ramos, de 32 e 42 anos, e disse “não ter encaminhado mensagens ou provas” ao Project Veritas. Ela também sustenta que “jamais trabalhou com o FBI” e que não mantém vínculo formal ou informal com o veículo norte-americano.
Entretanto, vídeos publicados pela própria Patrícia Lélis no TikTok, nos dias 10 e 11 de outubro, mostram o oposto. Em tom de euforia, ela celebra a prisão de Janaína Toledo — a quem chama de “minha stalker” — e descreve em detalhes sua suposta participação no caso. Em um dos vídeos, Patrícia declara: “Eu me juntei, fiz um grupo de jornalistas, todo mundo foda, e começamos a pesquisar. A gente trabalhou junto com a polícia local da Flórida e com o FBI. [...] Ela foi presa, e meu trabalho foi bem feito.”
Em um segundo vídeo, Patrícia volta a se identificar como parte ativa da operação, afirmando ter atuado “ao lado de outros jornalistas investigativos” e que “todo o material seria publicado no Project Veritas”. Ela relata que o grupo “foi na delegacia”, entregou “provas” e que “o FBI conseguiu a liminar do juiz para entrar no hotel”. Segundo a própria Patrícia: “Nosso grupo de jornalismo fez esse acordo com a polícia, e vamos postar tudo no Project Veritas.”
Em outra passagem, a assessoria afirma ter “encaminhado denúncia a diversos grupos de jornalismo” e que “o Veritas descobriu onde eles estavam”, mas o próprio áudio de Patrícia entrega: ela diz que a localização saiu porque “a Janaína contou onde estava para Juliana” — ou seja, a descoberta foi atribuída pelo próprio relato de uma das envolvidas, não a uma investigação independente do veículo. Isso abre uma questão prática e legal óbvia: a origem das provas (vídeos, prints, supostas interceptações) e o modo como foram obtidas permanece obscura.
A própria Patrícia sugere ter tido acesso a informações que só poderiam ter sido obtidas por meio de quebra de privacidade, como as comunicações privadas entre Janaína e Juliana Santos — estilista que acusa a influenciadora Patrícia Lélis de liderar uma campanha de difamação e linchamento virtual contra ela, por meio do perfil “Vítimas da Estilista”, nas redes sociais. Em um dos vídeos, Patrícia encerra com uma ameaça a Juliana, afirmando para que ela “se cuidasse”.
Checagens aos registros públicos disponíveis até o momento indicam que o casal de brasileiros está em custódia migratória (ICE) e que não há, nos documentos públicos consultados, acusações criminais formais por terrorismo ou tráfico sexual correspondentes às alegações feitas pelo Project Veritas.
Os vídeos publicados pela própria Patrícia no TikTok desmentem frontalmente a versão oficial enviada pela assessoria e confirmam o vínculo direto dela com o Project Veritas, bem como sua participação ativa na narrativa que resultou nas acusações contra os brasileiros presos. Além disso, as falas expõem a motivação pessoal de vingança — “Sejam vingativos [...] eu esperei cinco anos para pegar essa mulher” —, o que descaracteriza qualquer alegação de trabalho jornalístico legítimo que ela alegou ter feito.
Esta foi a terceira “notícia” publicada pelo Project Veritas que tem como alvo pessoas que confrontaram ou romperam com Patrícia, revelando um possível uso do veículo em disputas de caráter pessoal. Em uma das publicações, o grupo afirmou ter obtido mensagens nas quais o estrategista republicano Jason Miller confirmaria apoio da CIA à família Bolsonaro, em conversa com Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, no contexto das investigações sobre a suposta tentativa de golpe no Brasil.
Para muitos, o Project Veritas — veículo conhecido por práticas jornalísticas controversas, como uso de câmeras escondidas, disfarces e manipulação para induzir “denúncias” contra adversários políticos — jogou fora a pouca reputação que ainda lhe restava e abraçou as histórias de Patrícia Lélis.
Nos vídeos, Patrícia Lélis afirma que “usaria sua inteligência e seus recursos” para “pegar essa safada”, em referência à Janaína, e que trabalhou “24 horas por dia” até conseguir “fazer isso acontecer”. A fala revela não apenas a motivação pessoal de vingança, mas também a autopercepção de protagonismo na operação — em contraste direto com a carta enviada pela assessoria, em que ela se apresenta como mera espectadora de um trabalho conduzido por terceiros.
Embora ainda não esteja claro se o Veritas está sendo diretamente remunerado ou manipulado por Patrícia, há uma coincidência temporal que levanta suspeitas: foi justamente no período em que o Project Veritas enfrentava uma forte decadência midiática e financeira, após a saída conturbada de seu fundador James O’Keefe, que o grupo passou a se aproximar de Patrícia Lélis.
E Patrícia ingressou nesse ambiente justamente após ser acusada de captar centenas de milhares de dólares em um esquema de vistos fraudulentos, no qual se apresentava como advogada de imigração e prometia acesso facilitado ao green card por meio do programa EB-5 — uma fraude pela qual hoje é formalmente acusada pela Promotoria Federal da Virgínia.
A Investigação mergulhou fundo nas ações de Patrícia Lélis nos Estados Unidos e revela que o padrão de fraudes que já confundiu políticos e jornalistas no Brasil agora está sendo exportado em larga escala, algo que agora alcança até autoridades federais americanas.
A ex-amiga
A briga de Patrícia Lélis com Janaína Toledo é antiga. Em maio de 2019, há seis anos, conversei com Janaína, uma entrevista nunca publicada. Ela contou que conheceu Patrícia em 2017, quando decidiu segui-la nas redes sociais. Janaína conta que estava cética diante das críticas que circulavam sobre a jornalista e suas mentiras, que já eram notórias, como as falsas acusações de estupro e abuso, e os laudos que apontavam sua mitomania.
A amizade virtual entre Janaína e Patrícia, posteriormente, se tornou presencial. Já nos primeiros encontros, Janaína disse ter percebido traços de manipulação de Patrícia. “Ela inventava histórias estranhas, como uma gravidez que nunca existiu. Parecia precisar estar sempre no centro de alguma confusão”, disse.
Pouco tempo depois, a relação se desfez. Janaína havia terminado um relacionamento e estava abalada. Patrícia soube disso e disse conhecer uma ótima cartomante. “Ela falou que a mulher podia prever se eu voltaria com meu ex. A consulta era por WhatsApp. A tal cartomante se recusava a mandar áudio, dizia que o microfone estava quebrado. Fiz a consulta e, no fim, ela pediu um depósito. Eu fiz”, disse.
Mais tarde, quando um amigo em comum mostrou um comprovante de transferência de dinheiro que Patrícia havia pedido emprestado, Janaína percebeu que a cartomante era a própria Patrícia. “Ele me mostrou o comprovante. Era a mesma conta usada pela cartomante. Era a mesma agência, a mesma conta, o mesmo CPF. Só mudava um detalhe no nome. Foi quando tudo fez sentido. A cartomante era ela”, Janaína diz, acrescentando que Patrícia negou veementemente o fato. Mesmo assim, depois disso, as duas romperam.


O afastamento, no entanto, não encerrou o conflito. As duas passaram a trocar farpas públicas. Patrícia chegou a chamar Janaína de “garota de programa” e, além das postagens ofensivas contra ela nas redes, criou um repositório no Google Drive, onde guardou diversas conversas com Janaína, incluindo prints e vídeos que comprovariam a sua perseguição. Entre os arquivos estão conversas com pessoas próximas a Janaína, incluindo a exposição de telefones e dados pessoais de sua adversária. A produção deste dossiê contou com a participação de Deise Ellston, autora de uma biografia de Patrícia Lélis que também se diz vítima do stalking de Janaína.
Deise Ellston é uma brasileira que vive nos Estados Unidos e se apresenta nas redes sociais como internacionalista, cientista política e especialista em Direito Internacional e Civil. Ela ganhou visibilidade no início deste ano após denunciar que o filho, de 13 anos, teria sido vítima de uma agressão em uma escola no estado da Virgínia. O caso, segundo ela, resultou em paralisia facial parcial no menino e motivou uma campanha de arrecadação online que já superou US$ 6 mil.
Antes desse episódio, Deise foi autora de um processo trabalhista federal contra a empresa Via Satellite Inc., em que alegou ter sofrido assédio, discriminação e retaliação após denunciar racismo no ambiente de trabalho. A ação — movida sem advogado — foi rejeitada pela Justiça da Virgínia por falta de elementos factuais suficientes para sustentar as acusações. Anteriormente amiga de Janaína e desafeto de Patrícia, Deise mudou de lado: tornou-se aliada de Patrícia e passou a rivalizar com Janaína.
Janaína, por sua vez, é apontada por fontes como a criadora do perfil no Instagram “O Fantástico Mundo de Lelé”, usado para ironizar e expor as contradições da jornalista. Procuramos os familiares de Janaína e Leonardo que vivem no Brasil atualmente, mas eles não retornaram nosso contato. Segundo pessoas próximas, eles relataram não querer se envolver no caso.
Com o tempo, a briga entre Patrícia e Janaína saiu da internet e foi parar na Justiça. Patrícia processou Janaína em 2023 — e perdeu. Em fevereiro de 2024, uma nova decisão determinou que Patrícia apagasse as publicações difamatórias e fosse proibida de citar o nome da ex-amiga nas redes sociais.
Um dia antes de ser presa, Janaína Toledo relatou a amigos um episódio que a deixou em pânico. Alguém foi até o quarto do hotel onde ela estava hospedada e deixou um café gelado do Starbucks com o nome dela no copo. A entrega, segundo a recepção, foi feita por uma pessoa que se apresentou como “amigo do casal”.
Em mensagens obtidas por A Investigação, Janaína descreveu o gesto como parte de um “terror psicológico”. “Imagina alguém subindo no teu apartamento e deixando algo na tua porta”, escreveu. “Ela é uma psicopata, é obcecada. Isso faz parte de um jogo mental, e funciona.” Dias depois, o Project Veritas divulgou uma gravação de câmera escondida que mostrava exatamente a cena do café — usada para “comprovar” que o casal havia sido localizado.
Questão legal das prisões
Embora Janaína tenha negado estar ilegal nos Estados Unidos em depoimento à reportagem, atualmente ela está sob custódia do U.S. Immigration and Customs Enforcement (ICE), detida no Broward Transitional Center, na Flórida. Já Leonardo Antonio Corona Ramos, marido de Janaína, também permanece sob custódia do ICE. Ele passou inicialmente pelo Florida Soft Side South Detention Center, depois foi transferido para o “Little Alcatraz”, unidade federal de segurança em Miami-Dade, e, no início de novembro de 2025, foi novamente encaminhado ao Glades County Detention Center, em Moore Haven (Flórida).
Ambos respondem por violações migratórias, o que indica que o processo em curso é administrativo, não criminal. Até o momento, não há registros públicos de acusações formais por terrorismo, tráfico de menores ou envolvimento com o Tren de Aragua, como sugerido pelas denúncias divulgadas pelo Project Veritas.
Fontes ouvidas pela reportagem nos Estados Unidos afirmam que as prisões foram executadas por agentes federais de imigração, e não pela polícia local. As mesmas fontes relataram que o caso é conduzido sob sigilo pelo ICE, com possível acompanhamento do FBI. Segundo uma delas, o nível de reserva é incomum: as autoridades estaduais e locais dizem não ter qualquer acesso aos registros da prisão, o que sugere que se trata de um processo federal restrito.
O contexto atual da imigração nos Estados Unidos ajuda a explicar parte dessa opacidade. Desde o início do segundo mandato de Donald Trump, o sistema de imigração vem enfrentando uma crise operacional. O ICE e o serviço de imigração acumulam atrasos, falhas de comunicação entre agências e uma política de deportações em massa, muitas vezes sem condições humanitárias mínimas ou acompanhamento jurídico adequado. Essa sobrecarga levou a um colapso prático da capacidade investigativa de algumas agências federais.
“Hoje o ICE está lotado e o FBI tem outras prioridades. Eles estão deportando centenas de pessoas por semana e não conseguem dar conta nem dos casos graves”, relatou uma fonte. “Por isso, casos como o de Patrícia Lélis acabam ignorados — não porque não chamem atenção, mas porque o sistema está saturado. O FBI simplesmente não tem tempo para perseguir uma cidadã estrangeira por fraude ou denúncias falsas enquanto há crises reais de imigração e segurança na fronteira.”
Segundo a advogada Luana Biagini, do escritório especialista em imigração Biagini Law Group, sediado nos Estados Unidos, qualquer pessoa que ultrapasse o tempo permitido de permanência no país passa a acumular presença ilegal.
“Se o visto expira e o indivíduo não solicita um novo status — seja por trabalho, casamento, petição familiar ou asilo político —, ele passa a estar fora de status”, detalhou. “Quem fica entre seis meses e um ano em situação irregular e sai do país recebe um castigo de três anos sem poder retornar. Se permanece mais de um ano, o castigo é de dez anos”, disse.
Biagini acrescenta que, mesmo nesses casos, o detido tem direito a uma audiência perante um juiz de imigração, e não pode ser deportado automaticamente. “O ICE precisa emitir uma notificação para comparecimento à Corte. O juiz, então, avalia se a pessoa representa risco à sociedade ou se há perigo de fuga. Se não houver, pode conceder fiança, que costuma variar de 1.500 a 50 mil dólares”, explicou.
Para aqueles que buscam permanecer no país, ainda é possível apresentar defesas imigratórias, como pedidos de asilo político, visto de vítima de crime ou de tráfico humano, ou ajustes de status com base em casamento ou parentesco com cidadão americano. No entanto, destacou a advogada, os prazos são rigorosos e o governo tende a negar pedidos de asilo feitos fora do período de um ano após a entrada no país, salvo em circunstâncias excepcionais.
“É importante entender que o ICE não pode simplesmente colocar uma pessoa num avião e mandá-la embora. Isso só ocorre quando já existe uma ordem final de deportação emitida por um juiz”, explicou Biagini.
A “Ruiva do CAPS”
Patrícia Lélis é uma figura quase mitológica da política brasileira. Nas redes, Patrícia também é conhecida como “ruiva do CAPS” — expressão que associa duas de suas “marcas registradas”: o cabelo ruivo — qembora seja colorido quimicamente; ela chegou a editar digitalmente uma foto de infância para simular que essa era a cor original — e o seu comportamento instável, relacionado de forma pejorativa aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), instituições voltadas ao tratamento de transtornos mentais.
Patrícia Lélis surgiu como militante conservadora, apoiadora de Jair Bolsonaro e declaradamente antifeminista. Depois de acusar o então deputado Marco Feliciano e seu assessor Talma Bauer de sequestro e tentativa de estupro — denúncia desmentida por inconsistências e provas contraditórias —, Patrícia rompeu com a direita e passou a ser acolhida por setores da esquerda, sustentando até hoje a versão de que foi vítima.
Uma reportagem publicada pelo Portal Metrópoles, em 2016, na época das denúncias contra Feliciano, traçou um perfil detalhado de Patrícia. O veículo descreveu que ela “colecionava histórias mal contadas”, incluindo versões contraditórias sobre episódios pessoais e profissionais jamais comprovadas. Àquela altura, já existiam ao menos cinco ocorrências registradas em nome de Patrícia na Polícia Civil do Distrito Federal.
Entre elas estava um suposto caso de estupro que Patrícia dizia ter sofrido aos 15 anos, cometido, segundo seu relato, por um técnico de máquina de lavar que teria ido à sua casa. O Metrópoles informou que chegou a entrevistá-la para uma série sobre vítimas de abuso em locais inusitados. No depoimento, Patrícia contou ter sido violentada três vezes pelo homem, em um relato longo e cheio de detalhes. Mas, diante de perguntas mais específicas, começou a se contradizer, inserir novos elementos e perder a linearidade. Diante da falta de comprovação, o portal decidiu não publicar a história.
O portal também relatou que, quando ainda era estudante de jornalismo, Patrícia passou por diversas redações e assessorias em Brasília, deixando em cada uma delas um rastro de narrativas fantasiosas sobre a própria vida. Em um dos empregos, contou que seu carro havia sido roubado e usado em um acidente com morte — mas não havia registro policial nem notícia sobre o suposto crime. Em outras ocasiões, segundo o Metrópoles, Patrícia afirmava ter feito estágio no The New York Times, trabalhado como “embaixadora” da ONU, enfrentado um câncer no cérebro e planejado um casamento no Castelo da Cinderela, na Disney — cerimônia que o parque confirmou não ser permitida. Nenhum desses episódios foi comprovado.
Em 2016, durante as investigações em que Patrícia Lélis acusou o então deputado Marco Feliciano e seu assessor, Talma Bauer, de sequestro e tentativa de estupro, a Polícia Civil de São Paulo anexou ao inquérito um parecer psicológico de Brasília. O documento descrevia Lélis como uma pessoa com comportamento manipulador, emotivo e fantasioso, com “tendência histriônica de personalidade” e traços de mitomania — o impulso patológico de mentir de forma compulsiva.
O laudo destacava ainda a inconsistência de suas narrativas, observando que a jovem “divergia arbitrariamente e de modo sistemático” em seus relatos, oscilando entre versões incompatíveis dos mesmos fatos. A conclusão foi categórica: não havia indícios de crime sexual, tampouco provas materiais que sustentassem as acusações, recomendando-se o arquivamento do caso.
Luiz Roberto Hellmeister, delegado responsável pelo caso citou o diagnóstico como indício de que Patrícia era “mentirosa compulsiva”, representando “risco à sociedade por mentir e causar danos a diversas pessoas” por fazer a polícia investigar alguém por um “crime que ela mesma sabe que não existiu”. A defesa da jornalista, por sua vez, contestou a validade do documento, alegando que o exame havia sido feito por uma profissional ligada a uma igreja evangélica e que o conteúdo não tinha caráter conclusivo.
Nos últimos meses, Patrícia Lélis tem tentado reescrever sua própria biografia — agora com o selo de um novo laudo psicológico que, segundo ela, provaria que não é mitomaníaca. O documento, assinado por Cláudio R. Garcia, um psicólogo analítico que também se apresenta como pai de santo, teólogo, ocultista, e afirma também ser pós-graduando em mitologia criativa, contos de fadas e homeopatia, conclui que Patrícia sofre apenas de “ansiedade generalizada” e “instabilidade emocional”. O detalhe é que Garcia oferece seus serviços em um site de bruxaria, onde são oferecidos rituais personalizados por valores entre R$ 600 e R$ 666, incluindo o “Ritual de Demonolatria”.
Mesmo assim, Patrícia tem brandido o laudo como uma espécie de escudo místico contra a opinião pública. Em post recente no X, ela ameaçou processar quem a chame de mitomaníaca, afirmando que o documento prova sua sanidade e que “jamais foi consultada pelo psicólogo da direita bolsonarista que inventou o primeiro laudo”.
Nossa reportagem questionou Patrícia sobre estes pontos, acrescentando a pergunta sobre se as consultas com o psicólogo foram feitas à distância. Patrícia se limitou a dizer que o que lhe importava era a validade do registro profissional de Garcia, que está ativo.
As primeiras controvérsias
Ainda que Patrícia alegue de pé junto não ser mitomaníaca, a influenciadora coleciona mais de uma centena de histórias mal contadas ao longo de sua conturbada carreira pública. A seguir, algumas das mais notórias.
O caso Feliciano
Em 2016, Patrícia Lélis protagonizou seu primeiro escândalo de alcance nacional ao acusar o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) de tentativa de estupro e agressão. Alegou que o crime teria ocorrido no apartamento funcional do parlamentar, em Brasília, e que ele a teria oferecido R$ 15 mil mensais para ser sua amante.
As denúncias se desdobraram em outro inquérito, em São Paulo, no qual Patrícia Lélis afirmou ter sido sequestrada e mantida em cárcere privado pelo assessor de Feliciano, Talma Bauer. A Polícia Civil investigou o caso e concluiu que ela havia mentido. Imagens de câmeras de segurança do hotel mostraram Patrícia e o assessor circulando livremente pelo local onde o suposto sequestro teria ocorrido — inclusive trocando abraços e conversas amistosas.
Ainda conforme a investigação paulista, Patrícia tentou extorquir o assessor de Feliciano exigindo R$ 50 mil para gravar vídeos em que inocentaria o parlamentar. O dinheiro foi pago em espécie a um intermediário, Arthur Mangabeira, então namorado da também influenciadora de direita Luana Basto — que se apresentou falsamente como agente da ABIN —, que reteve R$ 40 mil e repassou apenas R$ 10 mil a Patrícia. Em gravações obtidas pela polícia, Patrícia reclama: “Quero os dez [mil], você está passando a perna em mim”, e chega a ordenar que Bauer “matasse” o comparsa. Mangabeira foi indiciado por extorsão junto com Patrícia, mas sumiu do radar após o caso.
Luana Basto reapareceu nas redes anos depois como influenciadora fitness, promovendo o uso de anabolizantes e adotando um discurso em defesa dessas substâncias. Após um novo período de afastamento, ressurgiu com outra persona: hoje se apresenta como influenciadora body positive e conselheira de relacionamentos para mulheres, acumulando mais de dois milhões de seguidores no Instagram.
Confrontada em um programa de TV sobre as inconsistências de seu depoimento — já que Feliciano comprovadamente estava na Câmara dos Deputados no momento em que ela afirmava ter sido abusada —, Patrícia debochou e disse que, como homem de Deus, ele poderia ter o “poder da onipresença”.
Caso Eduardo Bolsonaro
Em 2017, Patrícia Lélis acusou o deputado federal Eduardo Bolsonaro de ameaça e afirmou que os dois teriam mantido um relacionamento amoroso. Segundo ela, o parlamentar teria enviado mensagens agressivas após o término. As supostas conversas, apresentadas em capturas de tela, foram encaminhadas à Polícia Civil do Distrito Federal como prova.
A perícia, porém, identificou indícios de adulteração nos prints, concluindo que não era possível comprovar a autenticidade das mensagens nem que o número pertencesse ao deputado. Diante disso, o inquérito foi arquivado por falta de provas, e Patrícia acabou indiciada por denunciação caluniosa.
Mesmo sem comprovação, a imprensa — especialmente veículos alinhados à esquerda — tratou o relacionamento como fato consumado e explorou o caso para constranger politicamente o deputado. Durante a repercussão, Patrícia chegou a ironizá-lo nas redes, afirmando que Eduardo teria “pênis pequeno” — frase que viralizou e foi amplamente reproduzida por páginas e influenciadores opositores da família Bolsonaro.
Mesmo com Eduardo negando o relacionamento, e apresentando provas de que já se relacionava há muito tempo com a sua atual esposa, Heloísa — algo que Patrícia nunca fez —, parte da imprensa insistia que Patrícia era sua ex-namorada.


Na época das acusações, Patrícia mantinha outro relacionamento, com um publicitário, que rompeu com ela logo após o caso Feliciano e publicou em suas redes sociais que havia “escapado da maior barca furada da vida”.
Caso Glauber Braga
Em dezembro de 2017, Patrícia Lélis publicou uma série de stories e vídeos em que aparecia com o olho roxo, afirmando ter sido agredida pelo deputado esquerdista Glauber Braga (PSOL-RJ). As postagens — acompanhadas das hashtags #MenosGlauber e #ParaQueTáRidículo — vinham seguidas de discursos sobre violência contra a mulher praticada por políticos com “foro privilegiado”. Em uma das mensagens, Patrícia escreveu que “ameaçar a integridade de uma mulher com fotos e vídeos íntimos é crime” e que “o criminoso pode ter foro, pode ter o que for… ainda é crime”.
Horas depois, porém, Patrícia voltou atrás, afirmando que suas redes sociais haviam sido invadidas por hackers “bolsominions” e que a acusação era “fabricada”. Disse ainda que o “Glauber Braga” mencionado seria um ex-namorado homônimo, supostamente aliado de Eduardo Bolsonaro, e não o parlamentar psolista.
Acontece que a própria Patrícia havia anteriormente publicado um vídeo exibindo o suposto boletim de ocorrência registrado na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), em Brasília, mencionando explicitamente o nome “Glauber Medeiros Braga”. O documento, com timbre da Polícia Civil do DF, listava “visíveis agressões sofridas” e determinava o envio da vítima ao IML.
Mesmo assim, as agências de checagem Aos Fatos e Lupa classificaram o caso como “falso”, ambas reproduzindo a versão posterior apresentada pela própria Patrícia. As matérias sustentam que Patrícia “jamais acusou o deputado”, que “foi vítima de hackers” e que o boletim exibido seria “falso” ou “referente ao caso Marco Feliciano”.
Ambas, porém, ignoraram as evidências públicas divulgadas pela própria Patrícia, incluindo o vídeo em que ela exibe o boletim de ocorrência e os stories nos quais cita nominalmente Glauber Braga. Nenhuma verificou os registros digitais originais ou o número de protocolo do documento, reproduzindo sem apuração independente a narrativa criada por Patrícia após a repercussão negativa.
Mestrado em George Town e Falsa Gravidez
Uma das poucas vezes em que Patrícia Lélis foi confrontada de forma contundente ocorreu em 2019, quando entrou em conflito público com a jornalista Cleuci de Oliveira, repórter do Metrópoles com passagens por The New York Times e The Guardian.
Segundo a apuração de Cleuci, Patrícia publicava fotos em Washington D.C. afirmando cursar mestrado em Relações Internacionais na Georgetown University. A repórter entrou em contato com a instituição e recebeu resposta oficial: não havia nenhum registro de matrícula em nome de Patrícia Lélis. Confrontada, Patrícia alegou ter “mudado de curso”, mas não apresentou provas — e mais tarde descobriu-se que havia feito apenas um curso rápido de inglês na universidade.
Dias depois, a situação saiu do controle. Cleuci publicou capturas de tela mostrando que Patrícia havia postado fotos sugerindo uma gravidez, o que levou internautas a suspeitarem de manipulação digital. Em resposta, Patrícia publicou uma imagem de si mesma em frente ao espelho, com a barriga estufada, alegando que aquela seria a “foto real” e que Cleuci teria obtido o arquivo por meios ilegais.
A discussão se intensificou quando usuários do Twitter analisaram os metadados de imagens que Patrícia havia publicado de seu bebê recém nascido e descobriram estas haviam sido copiadas de redes sociais de outras mães. E eram fotos pelo menos três bebês diferentes, como se fossem de um mesmo “filho”. Uma das imagens — a mais difundida — pertencia a uma mulher americana, que denunciou em suas redes sociais, o uso indevido da foto de seu bebê, que havia nascido prematuro.





Patrícia descreveu as revelações — incluindo a foto roubada — como parte de um “ataque orquestrado” da direita bolsonarista para descredibilizá-la. Em respostas esparsas no X e em entrevistas, afirmou ser “vítima de fake news e stalking” por jornalistas como Cleuci, que, segundo ela, estariam “aliadas a grupos de ódio”. Patrícia sustentou que as críticas faziam parte de uma “perseguição ideológica” em retaliação às suas denúncias contra Marco Feliciano e Eduardo Bolsonaro.
Da direita para a esquerda
Apesar de ter sido desmascarada publicamente em diversas ocasiões — inclusive com laudos que apontam traços de mitomania —, Patrícia Lélis foi acolhida por setores da esquerda, que a enxergaram como um símbolo de resistência ao bolsonarismo. Em 2017, Patrícia aproximou-se de Lula, a quem pediu publicamente desculpas por ter apoiado manifestações contra o ex-presidente. O gesto consolidou sua guinada à esquerda e marcou o início de sua tentativa de reconstrução de sua imagem como militante progressista.
Até hoje, Patrícia mantém milhares de seguidores fiéis nas redes sociais — mais de 400 mil seguidores no Instagram e cerca de 250 mil seguidores no Twitter. Essa popularidade, porém, não se converteu em força política. Nas eleições de 2018, tentou se eleger deputada federal e obteve votação irrisória. Logo após o pleito, ex-integrantes de sua equipe de campanha a acusaram de calote — incluindo profissionais de marketing, assessores e cabos eleitorais que afirmaram não ter recebido pelos serviços prestados.
Nos anos seguintes, Patrícia intensificou sua militância nas redes, aproximando-se de grupos feministas e de pautas identitárias. Em 2020, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, mas a convivência foi breve. Em julho de 2021, foi expulsa do partido após uma série de declarações classificadas como transfóbicas, entre elas a afirmação de que “um transexual não é uma mulher” — uma fala que, curiosamente, muitos consideraram a primeira vez em que ela disse algo verdadeiro. Patrícia até tentou processar o PT, mas perdeu.
Mesmo após o rompimento, manteve apoio a Lula nas redes. Durante as eleições de 2022, fez uma campanha agressiva em favor do petista, utilizando o mesmo padrão de desinformação que anos antes aplicara contra desafetos pessoais. Patrícia publicou alegações falsas e de teor sexual contra figuras da direita, incluindo o pastor André Valadão, a quem acusou de participar de “orgias gays”, e o deputado Nikolas Ferreira, a quem atribuiu falsamente um vídeo pornográfico gay. Posteriormente, o próprio ator pornô americano, que protagonizava a cena, veio a público confirmar que era ele nas imagens. A Justiça de Minas Gerais determinou que Patrícia e o Twitter apagassem o conteúdo, reconhecendo o caráter calunioso das publicações.
Poucos dias depois, a própria Patrícia admitiu o uso deliberado de mentiras como estratégia política. “Hoje eu provei o método bolsonarista de fazer campanha. E funciona! Engaja! Gera questionamento! (...) Contra o bolsonarismo vale tudo”, escreveu no X.
A fase EUA: da cobertura de luxo ao indiciamento federal
Com o cenário se tornando cada vez mais desfavorável no Brasil — marcado por uma série de processos judiciais, derrotas políticas e o descrédito crescente até mesmo entre antigos aliados —, Patrícia Lélis decidiu deixar o país e migrar para os Estados Unidos, onde daria início a uma nova fase de histórias mirabolantes.
Instalada na cidade de Arlington, no estado da Virgínia, Patrícia passou a se apresentar como jornalista internacional e ativista de direitos humanos. Mas em pouco tempo, o padrão de comportamento que a acompanhava no Brasil voltou a se repetir.
Em 2019, Patrícia publicou em suas redes sociais a foto de uma cobertura de luxo com vista para o Monumento de Washington, afirmando ser a nova proprietária do imóvel. Internautas descobriram que a imagem era, na verdade, retirada do site de uma imobiliária local que anunciava o apartamento por mais de US$ 2 milhões. Segundo a jornalista Vanessa Bigaran, o brasileiro Júnior Campanhola, residente em Maryland, decidiu checar o endereço e constatou que o imóvel continuava à venda — o porteiro do prédio confirmou que Patrícia apenas visitara o local acompanhada de uma corretora.
A partir daí, o caso evoluiu para uma sequência de episódios envolvendo falsificação documental, e-mails forjados e denúncias inventadas. Patrícia chegou a publicar uma suposta ocorrência policial contra Campanhola, afirmando que o FBI estaria investigando o homem por perseguição (“stalking”). A versão desabou quando a própria Polícia de Arlington, por meio de seu perfil oficial, respondeu nas redes que o documento apresentado por Patrícia era falso. Os metadados da imagem datavam de 2006, e o formulário pertencia a uma delegacia de crimes veiculares — sem qualquer relação com a denúncia descrita.
O episódio da cobertura marcou o início de uma nova série de controvérsias. Pouco depois, Patrícia Lélis passou a ser formalmente processada no estado da Virgínia sob a acusação de “false report to law enforcement” (falsa comunicação de crime), em um caso relacionado a uma denúncia inventada de furto de 500 dólares.
Os autos mostram que Patrícia foi condenada a 179 dias de prisão, mas a pena foi suspensa e convertida em liberdade condicional (probation), devido à natureza do delito e a um acordo judicial de primeira instância. A ficha de prisão — que incluía seu mugshot oficial — acabou circulando na internet e foi amplamente explorada por críticos e opositores, simbolizando o início de sua decadência pública fora do Brasil.
Mesmo assim, Patrícia negou ter sido presa e afirmou nas redes que a foto era apenas “do seu green card” — versão novamente desmentida por inconsistências formais. A imagem não seguia os requisitos oficiais para o documento: o fundo era escuro e ela aparecia usando óculos, itens proibidos pelas regras do Departamento de Imigração dos EUA.
Mesmo com o histórico tumultuado no Brasil, Patrícia conseguiu se infiltrar nos círculos políticos americanos ao se aproximar do empresário conservador Armstrong Williams, dono do grupo de mídia Howard Stirk Holdings (HSH). A partir de 2021, passou a se apresentar como “advogada de imigração” — embora nunca tenha tido licença para exercer a profissão. Em março de 2021, foi contratada oficialmente como “immigration paralegal” da HSH. Armstrong Williams admitiu publicamente, em 12 de janeiro de 2024, que confiou em credenciais falsas apresentadas por ela.






Na época, diversos alertas foram feitos a Armstrong Williams sobre o histórico de Patrícia Lélis. Mesmo assim, ele a defendeu publicamente, chamando críticos de “fakes” e dizendo que ela trabalhava com “profissionalismo e seriedade”. As postagens, porém, chamaram atenção pelo inglês pobre, levando muitos a suspeitarem que as mensagens teriam sido escritas pela própria Patrícia, com acesso às contas dele. Ainda assim, Armstrong manteve a parceria e chegou a levá-la a eventos privados e festas de família. Durante a apuração, notei que estou bloqueado por Armstrong no Instagram mesmo sem nunca ter interagido com ele.
O esquema de fraude
A partir dessa posição, Patrícia — segundo denúncia federal — estruturou um esquema de fraude migratória voltado à obtenção dos vistos E-2 e EB-5 por estrangeiros. Em janeiro de 2024, um grande júri federal da Virgínia a indiciou formalmente. O processo detalha como ela iludiu vítimas prometendo aprovação de vistos mediante investimento, e captou cerca de US$ 700 mil de forma fraudulenta.
Num caso documentado, em setembro de 2021, enviou a uma vítima contrato para obtenção de visto EB-5 para os pais da pessoa e recebeu US$ 135 mil, supostamente para investimento num projeto imobiliário no Texas. Na realidade, o valor foi transferido para sua conta pessoal e usado como entrada para a compra de um imóvel de luxo em Arlington (Virgínia), reforma de banheiro e pagamento de despesas particulares.
Para manter a fraude, Patrícia teria forjado petições com número fictício de processo federal, manipulado formulários de imigração, criado identidades falsas com e-mails próprios e convencido amigos a se passarem por funcionários do suposto fundo de investimento. Quando a vítima cessou os repasses, Patrícia ameaçou deportar os pais e acionou cobrança extrajudicial.
Williams percebeu as fraudes — ela não apresentava casos reais, nem comparecia a audiências —, confrontou Patrícia e a demitiu. Em seguida, entregou o caso ao FBI. Em 12 de janeiro de 2024, a Promotoria do Eastern District of Virginia anunciou o indiciamento: 14 acusações de fraude eletrônica (wire fraud), três de transações monetárias ilegais e duas de roubo qualificado de identidade (aggravated identity theft). A pena por fraude eletrônica pode chegar a 20 anos de prisão. O comunicado do Departamento de Justiça informou que Patrícia não estava sob custódia e pediu ajuda pública para localizá-la.
Patrícia fugiu. Nas redes sociais, ironizou as investigações, disse estar “protegida em outro país” e se autodeclarou “exilada política”. Relatos indicam que reside em uma habitação coletiva na Cidade do México desde o fim de 2023, embora em suas redes sociais Patrícia afirme estar em Washington.
Exílio e deslize digital
Em 17 de janeiro de 2024, Patrícia Lélis publicou nas redes que era vítima de perseguição política internacional, alegando que um jornalista americano teria confirmado sua versão. Para sustentar a história, compartilhou uma gravação de tela com as supostas mensagens — mas o próprio vídeo exibiu a localização “Cuauhtémoc, Cidade do México”, desmentindo a narrativa de que ainda vivia nos Estados Unidos.
Após a exposição, apagou o a publicação e declarou estar “pedindo asilo político em outro país”. Semanas depois, insistiu que o asilo havia sido concedido, embora nenhum governo latino-americano tenha confirmado o pedido ou a concessão. Em nova virada, afirmou ter “obtido documentos sigilosos norte-americanos” e que tentaram transformá-la em “bode expiatório”. Nenhuma prova foi apresentada.
A gravação também expôs contatos com figuras que orbitavam seu círculo digital: a jornalista Madeleine Lackso, o advogado Wellington Arruda, um perfil anônimo conhecido como “Lúcifer” e o autointitulado hacker AnonFSA — um estelionatário baiano que se passava por especialista em cibersegurança e chegou a afirmar ter hackeado a conta da primeira-dama Janja Lula da Silva.
Em conversas com A Investigação, o próprio AnonFSA admitiu ter produzido “dossiês” para Patrícia Lélis, voltados a atacar desafetos dela no Brasil e nos Estados Unidos.
A reinvenção como “whistleblower”
Fora dos EUA, Patrícia Lélis lançou um contra-ataque narrativo contra Armstrong Williams. Para tanto, incluiu acusações contra figuras internacionais. A primeira delas foi María Corina Machado, principal opositora do regime chavista e figura que, recentemente, foi agraciada com Nobel da Paz por sua luta pela redemocratização da Venezuela.
Em maio de 2024, Lélis publicou no X que dispunha de “áudios e provas” sobre interferências de lobistas norte-americanos nas eleições venezuelanas. A postagem foi rapidamente amplificada por veículos pró-Maduro, como teleSUR, que trataram as alegações como factuais. A peça central alegava um áudio em que Armstrong Williams admitiria o pagamento de US$ 3,2 milhões a María Corina, via Fundação Disenso; o material jamais foi verificado por veículos independentes. Uma checagem do site Cazadores de Fake News identificou sinais de manipulação digital e metadados inconsistentes nos arquivos divulgados por Lélis.
Inicialmente alguns atores da direita americana repercutiram o material — entre eles Trevian Kutti, que chegou a divulgar os vídeos de Lélis em dezembro de 2024. Mas Kutti rompeu publicamente ao constatar o padrão de fraudes: em post no X acusou Lélis de “mentir sobre Fani Willis” e prometeu provas, chegando a classificar Lélis como “a maior golpista do X”. Kutti também afirmou possuir um laudo forense que demonstraria adulterações digitais nas provas apresentadas por Lélis. A Investigação entrou em contato e solicitou acesso ao documento, mas Kutti afirmou que pretende utilizá-lo em uma obra inédita. Lélis afirma ser impossível Kutti ter feito tal perícia, já que sua equipe lhe negou acesso ao material.
A revanche contra Armstrong
Mesmo depois do fiasco venezuelano, Lélis encontrou abrigo no Project Veritas — organização conservadora em fase de retração — e foi acolhida como whistleblower. O grupo republicou suas denúncias e lançou uma série de vídeos baseados quase exclusivamente em suas declarações, sem verificação independente.
A ofensiva começou em 5 de agosto de 2025, quando o Project Veritas lançou a primeira parte da série Operation of a Shadow Government. Nela, Patrícia Lélis denunciava um suposto esquema ilegal de vistos E-2 ligado à empresa fictícia Reis Cosmetics, que ela atribuía a Armstrong Williams e ao ex-procurador-geral Bill Barr. Nenhum documento apresentado possuía registro corporativo ou autenticação oficial, e a alegação jamais foi confirmada por autoridades.
O movimento marcou uma inversão completa de papéis. Até então, era Armstrong que acusava Lélis de fraude, falsificação e roubo de identidade — acusações que deram origem à investigação federal. Com o apoio do Veritas, Patrícia passou a devolver as mesmas acusações contra ele, apresentando-se como “delatora” e afirmando que fora perseguida por Barr e pelo FBI.
Nos vídeos seguintes divulgados pelo Project Veritas, no âmbito da segunda parte da série, em 7 agosto, Patrícia Lélis acusou William Barr e Armstrong Williams de conspirarem contra Donald Trump. Segundo sua versão, ambos teriam se reunido em 2022, no escritório de Williams, na Virgínia, junto com o promotor especial Jack Smith e a procuradora da Geórgia Fani Willis, para arquitetar acusações criminais contra aliados do ex-presidente.
O problema — como observou o jornalista Will Sommer, em reportagem publicada pelo The Bulwark, em 14 de agosto de 2025 —, é que a narrativa falha na cronologia: Barr havia deixado o cargo em dezembro de 2020, muito antes das reuniões descritas por Patrícia. Além disso, não existe qualquer prova independente de que tais encontros ou ligações entre Barr, Willis e Williams tenham ocorrido.
O Veritas exibiu como “provas” capturas de tela, mensagens e uma “lista de inimigos” supostamente escrita por Barr, mas que, conforme confirmou The Bulwark, foi produzida pela própria Patrícia Lélis e entregue ao grupo. A caligrafia é compatível com a dela, e não há indício de autenticidade documental. O conteúdo, por sua vez, é logicamente inconsistente: a lista inclui pessoas que Barr, em tese, teria tentado “enquadrar” como inimigas de Trump — entre elas Brad Raffensperger, Ruby Freeman e Shaye Moss, justamente alvos de ataques de trumpistas. “Se Barr fosse o arquiteto de uma conspiração contra Trump”, ironizou Sommer, “por que ele miraria em pessoas que o desafiaram?”
Outros trechos do material beiram a caricatura — como uma mensagem em que Williams supostamente escreve: “Where is the gold bar you stole?” (“onde está a barra de ouro que você roubou?”). A referência remete diretamente ao episódio 3 da série, divulgado pelo Project Veritas em agosto de 2025, em que Lélis afirma ter recebido uma mala com barras de ouro enviadas por um motorista do Catar e destinada ao então chefe de gabinete do senador Bob Menendez, Jason Tuber. O grupo associou o episódio à operação do FBI que encontrou barras de ouro na casa de Menendez dois meses depois — conexão que jamais foi confirmada por autoridades. Mesmo assim, o conteúdo foi amplificado por influenciadores do movimento MAGA, como Alex Jones, Dinesh D’Souza, Mario Nawfal e Nick Fuentes, que chegou a se apresentar como vítima de Barr por constar na lista falsificada.
Armstrong Williams reagiu chamando o grupo de “Project Falsitas” e classificando as alegações como um “conto difamatório”. Também chamou Patrícia de “Jezabel brasileira” que teria sua narrativa inerentemente inacreditável explicada pelo fato de ela não entender nada sobre os Estados Unidos. Armstrong disse tê-la demitido por fraude, confirmou que ela é ré em processo federal (1:24-cr-2, Eastern District of Virginia) e foragida da Justiça norte-americana, e anunciou ação judicial por difamação contra o Veritas.
O Project Veritas, por sua vez, manteve a história, alegando ter “verificado” a fonte e obtido “confirmações” de contatos no Departamento de Justiça — sem, no entanto, apresentar nenhuma evidência material. O grupo chegou a afirmar que “Barr colocou todo o FBI atrás dessa mulher para recuperar os documentos que ela possui”, declaração descrita pelo The Bulwark como absurda, já que Barr não tem qualquer poder sobre o FBI desde 2021.
Sommer destacou ainda o aspecto mais grave: o Veritas baseou toda a série apenas no testemunho de uma foragida acusada de fraude, ignorando alertas públicos de jornalistas brasileiros que há anos apontam seu histórico de falsificações, mitomania e processos criminais. “Bastaria uma busca no Google”, ironizou o assessor de Williams, “para perceber quem ela é.”
Eduardo Bolsonaro e Jason Miller
Dias depois, o Project Veritas trouxe novas acusações, apresentadas como parte de uma “investigação especial” paralela à série sobre Bill Barr. Desta vez, o escândalo envolvia o suposto vazamento de mensagens trocadas entre Eduardo Bolsonaro e Jason Miller, ex-assessor de Donald Trump. Os diálogos, datados de 20 de agosto de 2025, mostrariam o deputado brasileiro em pânico diante de uma possível denúncia da Polícia Federal, pedindo ajuda direta a Trump e mencionando apoio da CIA ao governo Bolsonaro.
O caso veio à tona dois dias após a Polícia Federal brasileira recomendou o indiciamento de Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo, sob a acusação de tentar obstruir o julgamento das ações relacionadas à tentativa de golpe de Estado investigada desde 2023. A notícia, publicada pela AFP na manhã de 21 de agosto, repercutiu imediatamente na imprensa internacional.
As capturas de tela, porém, chamaram mais atenção pela pobreza do texto do que pelo conteúdo explosivo, com uma escrita truncada e autoincriminatória — marca registrada de Patrícia Lélis, que desta vez não aparece como a whistleblower, mas comentou o tuíte do Veritas ironizando o fato de que Eduardo Bolsonaro havia elogiado o veículo no passado, durante a administração anterior. Diversos comentários nas redes sociais atribuíram a ela a autoria ou articulação do vazamento, embora o Project Veritas não tenha informado a origem do material.
Em uma das mensagens, o suposto Eduardo dizia que usaria “tudo o que temos no Brasil contra” Miller e relembrava que o interlocutor também estaria implicado em “uma porção de crimes”. Em outra, reclamava que “as tarifas deveriam ter sido mais rígidas”. O trecho que mais repercutiu foi a resposta atribuída a Miller: “Seu maldito pai não conseguiu ser competente nem com apoio da CIA.”
As alegações foram recebidas com ceticismo. Jason Miller reagiu no dia seguinte, pelo X, classificando o conteúdo como “ficção completa” e dizendo que o grupo foi notificado judicialmente. Chamou o Veritas de mentiroso e covarde, e afirmou que nada daquilo havia ocorrido. Também reforçou que Eduardo era seu amigo e que jamais trocou mensagens daquele teor com ele.
Mesmo assim, o Project Veritas manteve a autenticidade das mensagens. Nenhum metadado foi apresentado, e observadores notaram incongruências de formatação e horário nas capturas. Nas redes sociais, o caso foi tratado como fato por veículos e perfis alinhados à esquerda, que repercutiram o conteúdo sem checagem.
George Santos
A mais recente polêmica envolvendo Patrícia Lélis tem como protagonista o ex-deputado norte-americano George Santos, frequentemente apelidado de “a versão masculina de Patrícia”. E não é por acaso. Assim como sua contraparte feminina, Santos forjou identidades, mentiu sobre seu histórico acadêmico e se envolveu em diversos escândalos. Em abril de 2025, foi condenado a 87 meses de prisão, mas foi libertado graças a uma comutação de pena concedida por Donald Trump em 17 de outubro.
Em entrevista a Tucker Carlson, poucos dias após deixar a prisão, Santos afirmou que passou 41 dias em confinamento solitário após uma suposta ameaça de morte arquitetada por Patrícia Lélis. Segundo ele, a brasileira teria enviado ao Project Veritas mensagens que diziam que “alguém precisava entrar na prisão e matar George Santos”. O alerta teria sido encaminhado ao seu advogado, que notificou as autoridades penitenciárias — resultando na sua transferência imediata para uma cela de isolamento sob “custódia protetiva”.
Santos descreveu o episódio como “absurdo e destrutivo”, relatando que teve acesso limitado a banho e vestia roupas reutilizadas de outros detentos. Acusou Patrícia de ser “obcecada” por ele e afirmou que ela já havia feito ameaças semelhantes em 2023, quando ele ainda ocupava uma cadeira no Congresso — mas que, à época, a Polícia do Capitólio considerou as denúncias “sem credibilidade”.
Questionada por nossa reportagem, Patrícia negou estas acusações e disse que foi o advogado de George Santos que entrou em contato com ela.
A nova administração do Veritas
Nossa equipe conversou com um ex-integrante do Project Veritas, que falou sob condição de anonimato, e afirmou que a organização vive hoje uma fase de extrema fragilidade, com poucos funcionários ativos e praticamente sem capacidade operacional. Segundo ele, desde a saída de James O’Keefe, após um conflito interno com o conselho diretor por alegada má gestão financeira, uso indevido de recursos e denúncias de ambiente de trabalho abusivo, o Veritas ficou sem estrutura e sem dinheiro.
A crise se aprofundou em setembro de 2023, quando o grupo anunciou publicamente que suspendia todas as operações após uma onda de demissões e perda de patrocinadores. Poucos meses depois, em dezembro de 2023, a então CEO Hannah Giles — que havia substituído O’Keefe — renunciou ao cargo, declarando que o veículo estava “um caos irrecuperável” e mencionando fortes indícios de ilegalidades passadas e ilegalidades financeiras.
Paralelamente, o Project Veritas passou a ser alvo de uma investigação federal relacionada ao caso do diário de Ashley Biden, filha do presidente norte-americano. Em dezembro de 2023, um juiz autorizou que mais de 900 documentos internos do grupo fossem acessados por promotores, ampliando o cerco sobre suas atividades e finanças.
“Antigamente, ainda havia checagem e limites; agora, qualquer narrativa, por mais fantasiosa que pareça, pode acabar virando pauta”, disse o ex-integrante.
Atualmente, o grupo é dirigido por Benjamin Wetmore, advogado e ativista conservador com histórico de operações clandestinas, manipulações de informação e má conduta financeira. Wetmore foi mentor de James O’Keefe no início dos anos 2000 e esteve envolvido em ações disfarçadas e encenações políticas, incluindo o plano de emboscada sexual contra uma repórter da CNN em 2010 e o apoio logístico à invasão do escritório da senadora Mary Landrieu, em Nova Orleans.
Posteriormente, como dirigente da American Phoenix Foundation, Wetmore foi acusado de gravar secretamente políticos no Texas e desviar recursos da entidade, o que levou à sua dissolução judicial em 2017. Em 2023, assumiu a presidência do conselho do Project Veritas, herdando uma estrutura arruinada, um passivo judicial crescente e a reputação manchada por anos de escândalos.
Foi nesse cenário de colapso institucional e desespero editorial que Patrícia Lélis encontrou espaço para emplacar suas histórias, explorando a vulnerabilidade financeira e reputacional do Veritas para se projetar como denunciante e tentar reconstruir sua imagem pública.
Ao instrumentalizar Patrícia como fonte exclusiva de uma denúncia inverificável, o grupo enterrou de vez a pouca credibilidade que lhe restava — e pode ter se envolvido, ainda que indiretamente, com a obstrução de uma investigação federal em andamento.
O que dizem os envolvidos
Patrícia Lélis, por intermédio de sua assessora Talita Vilani, negou ter enviado mensagens, documentos ou áudios ao Project Veritas sobre os brasileiros citados e disse não integrar, formal nem informalmente, a equipe do grupo — tampouco manter vínculo com seu diretor Benjamin Wetmore ou receber qualquer remuneração.
Afirmou que eventuais comunicações com o FBI não trataram de George Santos e que seu contato recente com o órgão limitou-se a relatar episódios de perseguição que, segundo ela, envolveriam Janaína Toledo e Leonardo Corona desde 2019. Disse ter aberto denúncia contra Janaína naquele ano, que haveria resultado em registro policial em Arlington, e alegou possuir ordem protetiva.
Lélis sustenta que o Project Veritas “apenas” ajudou a localizar Janaína e Leonardo — informação que diz desconhecer, à época, tratar-se de imigração irregular — e que parte do material não teria sido publicado a pedido de autoridades, por suposta investigação em curso.
Confira aqui o e-mail e a resposta na íntegra.
Sobre sua situação nos Estados Unidos, afirmou estar ciente do processo United States v. Lelis (1:24-cr-2, EDVA), disse já ter se apresentado e estar representada por advogado em Washington, D.C., classificando o caso como “ainda em investigação”. Negou utilizar denúncias públicas para atingir desafetos — citou que não teria relação com eventuais acusações a Eduardo Bolsonaro — e declarou que todo o acervo que possui foi entregue ao FBI após as prisões na Flórida. Questionada sobre o laudo psicológico assinado por Cláudio R. Garcia, afirmou que o documento foi aceito judicialmente, que as sessões foram comprovadas e que a crença religiosa do profissional é irrelevante para sua atuação.
Em relação a George Santos, disse não ser a fonte de quaisquer mensagens e relatou ter sido procurada pelo advogado do ex-deputado, Joe Murray, para esclarecimentos; segundo ela, houve agradecimento posterior após a comutação de pena. Sobre a ex-assessora de Kanye West, Trevian Kutti, declarou que a suposta perícia apontando falsificação de arquivos não teria como existir porque sua defesa não autorizou o acesso ao material; afirmou ter todas as conversas registradas e reiterou que provas e documentos já foram encaminhados ao FBI. Por fim, repetiu que qualquer alegação de colaboração com o Project Veritas é “falsa”.
Os pedidos feitos por A Investigação ao FBI, ICE e autoridades da Flórida sobre as prisões de Janaína Toledo e Leonardo Corona Ramos enfrentaram bloqueios burocráticos. O FBI e o ICE informaram que não poderiam processar solicitações devido ao funding hiatus — paralisação do orçamento federal. Na Flórida, o Sheriff’s Office confirmou o recebimento, sendo o único órgão a aceitar o pedido. Até o momento desta publicação, não houve retorno oficial.
Armstrong Williams, Project Veritas e o Itamaraty também não responderam aos contatos da reportagem até o momento desta publicação.
Em memória de Vanessa Bigaran (1989–2023).













