A militância do Ministério Público por trás da condenação de Léo Lins
Caso escancara a atuação ideológica do MP como engrenagem do Complexo da Censura
A condenação do humorista Léo Lins a oito anos e três meses de prisão por piadas feitas em seu show de comédia trouxe à tona o avanço da censura institucionalizada no Brasil. A decisão judicial gerou forte repercussão e críticas até mesmo de humoristas pró-censura, mas um aspecto central do processo tem sido pouco explorado: o papel do Ministério Público Federal (MPF) na construção da denúncia.
Foi o MPF quem deu início à ação penal, a partir de queixas apresentadas por ONGs e indivíduos, após o vídeo do show, que alcançou mais de 3 milhões de visualizações no YouTube, ser denunciado como discriminatório. Com base em trechos isolados e retirados de contexto, o órgão enquadrou o conteúdo como discurso de ódio, atribuindo a ele caráter criminoso com base na Lei 14.532/2023 — apelidada de “Lei Antipiada” — sancionada pelo presidente Lula. A norma alterou a Lei do Racismo e passou a permitir a criminalização de falas consideradas ofensivas mesmo em ambientes artísticos e humorísticos.
Esse episódio não é isolado. O MP tem ampliado sua atuação para além do papel de fiscal da lei, assumindo funções normativas e políticas. Em nome da tutela de direitos coletivos, passou a arbitrar os limites do humor, da crítica e da opinião. No caso de Léo Lins, essa mudança de postura revela como o Ministério Público se consolidou como um dos principais agentes do Complexo Industrial da Censura — um sistema que envolve ONGs, Judiciário, universidades e Big Techs, voltado ao controle do discurso sob o argumento da proteção de grupos vulneráveis.
De fiscal da lei a censor
Ao contrário do Supremo Tribunal Federal (STF) ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que se tornaram cada vez mais ativistas ao longo dos anos, o Ministério Público já nasceu com tendência à militância. A Constituição de 1988 conferiu ao MP autonomia funcional, administrativa e orçamentária, sem vinculação a nenhum dos três poderes e sem qualquer forma de controle político direto. Na prática, isso significa que qualquer promotor ou procurador pode instaurar investigações, apresentar denúncias ou ajuizar ações civis públicas com base em sua própria interpretação dos fatos — mesmo que não exista previsão legal clara. A única barreira teórica é a responsabilização por “má-fé”, raramente aplicada.
Essa autonomia foi pensada para proteger o MP de interferências e garantir sua atuação em defesa dos direitos coletivos. Mas, sem contrapesos eficazes, o modelo também abriu espaço para o uso político da instituição. A ausência de controle externo real transformou o Ministério Público em um ator com capacidade de interferir diretamente em políticas públicas, costumes e disputas políticas.
Essa liberdade ampla tem sido usada para propor ações com impacto direto sobre o debate público, a liberdade de expressão e até a atuação de empresas de tecnologia. A estrutura jurídica do MP, pensada para proteger o cidadão, passou a ser usada para disciplinar o próprio cidadão — especialmente quando sua opinião contraria o pensamento dominante dentro da instituição.
Ativismo e dano moral simbólico
Nos últimos anos, o Ministério Público passou a atuar de forma cada vez mais alinhada a causas políticas, principalmente associadas à agenda identitária e ao combate à chamada “desinformação”. O MP tem se comportado como parte interessada em disputas políticas e culturais, utilizando ações civis públicas, pareceres e parcerias com ONGs para promover uma regulação informal do discurso público.
Foi o que ocorreu, por exemplo, quando o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul apoiou uma ação contra uma empresa de investimentos por publicar uma foto com funcionários considerados “brancos demais”. Mesmo sem base legal que obrigue diversidade racial em contratações privadas, o MPT alegou impacto coletivo presumido.
Essa estratégia se apoia numa reinterpretação do conceito de dano moral coletivo — originalmente voltado à proteção de interesses difusos como meio ambiente e relações de consumo — para enquadrar manifestações simbólicas, como piadas, imagens ou opiniões, como violações passíveis de sanção. ONGs como a Educafro fizeram desse modelo uma forma sistemática de atuação. A entidade lidera ou participa de dezenas de ações que cobram indenizações milionárias com base em supostos danos morais causados por episódios tidos como discriminatórios — ainda que sem vítimas identificadas ou prejuízos concretos. A entidade acumula ações que somam mais de R$ 1,3 bilhão em pedidos de indenização por alegadas ofensas simbólicas.
O Ministério Público, em vez de atuar como instância moderadora, tornou-se parceiro dessa lógica. Em ações contra empresas como Zara, Assaí, XP e Carrefour, promotores se aliaram a ONGs para sustentar pedidos milionários baseados em interpretações subjetivas de eventos. Em muitos casos, os processos nem sequer visam reparação individual, mas sim compensações financeiras para fundos públicos ou organizações civis, com a justificativa de “promoção de direitos coletivos”. O modelo dispensa a prova do dano direto e abre espaço para o que especialistas chamam de “indústria do dano moral coletivo” — um sistema sem risco, com alto potencial de retorno financeiro e, muitas vezes, sustentado com dinheiro público.
Outro caso emblemático é o da ação movida pelo MPF do RJ contra o Banco do Brasil por sua suposta responsabilidade histórica com a escravidão. A investigação foi aberta logo após a divulgação de um estudo acadêmico que apontava que parte do capital inicial do banco teria vindo de acionistas ligados ao tráfico de escravizados no século XIX. Apesar de o BB já ter emitido um pedido de desculpas público, o MPF passou a cobrar medidas reparatórias concretas, inclusive um fundo bilionário sugerido por ONGs, com cifras que chegavam a R$ 1,4 trilhão — valor considerado irreal por especialistas. A cobrança, sem base legal clara, sem vítimas diretas e referente a eventos de mais de dois séculos atrás, revela como o Ministério Público tem atuado como agente político e moral, usando a lógica da reparação simbólica para justificar ações com forte viés ideológico e impacto financeiro desproporcional.
Esse tipo de ação se espalhou para outros órgãos do sistema de Justiça. Foi o que ocorreu na ação movida pela Defensoria Pública da União (DPU), em parceria com as ONGs Educafro e Instituto Fiscalização e Controle, contra a rede social X (antigo Twitter). O processo, ajuizado no contexto das revelações do Twitter Files Brazil, cobrava R$ 1 bilhão por supostos “danos morais contra a democracia brasileira” e exigia que a plataforma firmasse parcerias obrigatórias com agências de checagem e implementasse mecanismos automatizados de remoção de conteúdo. A justificativa era que a empresa violou gravemente o Estado Democrático de Direito ao permitir publicações contrárias às leis brasileiras, supostamente incentivar o descumprimento de decisões judiciais e fomentar ataques à ordem pública. Nenhuma vítima específica foi identificada, nem houve demonstração de dano concreto. Ainda assim, o pedido de indenização seguiu a mesma lógica: punição simbólica e financeira por uma conduta considerada “nociva” ao bem coletivo.
O caso de Léo Lins se encaixa perfeitamente nesse modelo. Além da denúncia criminal, a sentença incluiu uma multa de R$ 303,6 mil por dano moral coletivo, mesmo sem vítimas identificadas e com base em um show publicado voluntariamente na internet. Foi o suficiente para converter piada em infração — e infração em cobrança judicial.
O protagonismo e o desvio de função
A cultura de protagonismo dentro do Ministério Público não é nova, mas se consolidou com a visibilidade alcançada durante a Operação Lava Jato. Procuradores passaram a ocupar espaços na mídia, dar entrevistas, lançar livros, participar de eventos e até ingressar na política. Esse movimento ajudou a formar uma geração que passou a enxergar o engajamento público como parte natural da função.
A Lava Jato representou um marco no combate à corrupção e teve papel relevante ao escancarar práticas antes intocáveis. Mas também deixou um legado ambíguo: ao projetar seus membros como figuras públicas, abriu espaço para que o protagonismo se sobrepusesse à função institucional. As redes sociais passaram a ser usadas como instrumento de pressão política.
Com o tempo, esse ambiente contribuiu para a politização interna da instituição. Promotores e procuradores passaram a se organizar por afinidades ideológicas, promovendo agendas específicas dentro do sistema de Justiça. Esse movimento abriu caminho para a consolidação de pautas de esquerda, que hoje são amplamente aceitas pelo establishment jurídico e político. O problema não está exatamente na orientação dessas pautas, mas no desvio de função: o Ministério Público deixa de ser um fiscal imparcial da lei para atuar como agente político.
O senador Flávio Bolsonaro, por exemplo, ao comentar as investigações contra seu ex-assessor Fabrício Queiroz, afirmou que parte do MP agia com viés político para desgastar sua imagem e a do governo, citando abusos como quebra de sigilo bancário sem autorização judicial e vazamentos seletivos à imprensa.
Até mesmo lideranças indígenas passaram a denunciar esse tipo de ativismo. Em 2021, escrevi uma reportagem sobre indígenas Munduruku pró-mineração que acusaram o Ministério Público Federal de tentar censurar seu posicionamento. Segundo relataram, o MPF recomendou a órgãos públicos que não os recebessem em Brasília, sob alegação de que não representavam toda a etnia e seriam financiados por empresários. O MP chegou a ameaçar judicialmente os órgãos que não acatassem a recomendação. Ou seja, nem o direito à autodeterminação é respeitado quando contraria a narrativa dominante.
O MP no Complexo Industrial da Censura
O caso Léo Lins escancara a integração entre Ministério Público, ONGs ativistas e Judiciário na engrenagem do Complexo Industrial da Censura. Com base em denúncias de ONGs, o Ministério Público Federal acolheu a narrativa de que o conteúdo do show configuraria discurso de ódio. Ignorou o contexto artístico, transcreveu trechos do roteiro como se fossem declarações literais e apresentou denúncia por incitação à discriminação com base na Lei 7.716/1989 (crimes de preconceito) e no Estatuto da Pessoa com Deficiência. A acusação alegava ofensas simultâneas a negros, nordestinos, indígenas, judeus, homossexuais, pessoas com deficiência, idosos e soropositivos — ainda que não houvesse vítimas identificáveis.
A juíza que condenou Léo Lins é Bárbara de Lima Iseppi, titular da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Formada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, em 2006, foi orientada em seu Trabalho de Conclusão de Curso por Mauro Luis Iasi, professor da UFRJe ex-candidato a cargos públicos pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Iasi ganhou notoriedade por um discurso proferido em 2015, no qual declarou: "Nós sabemos que você é nosso inimigo, mas considerando que você, como afirma, é uma boa pessoa, nós estamos dispostos a oferecer o seguinte: um bom paredão, onde vamos colocá-lo na frente de uma boa espingarda, com uma boa bala e vamos oferecer, depois de uma boa pá, uma boa cova."
Nos últimos anos, Bárbara de Lima Iseppi se destacou por decisões judiciais alinhadas a medidas restritivas de conteúdo e pela aplicação rigorosa de leis contra discursos considerados ofensivos. Em 2020, determinou a prisão preventiva de dois homens acusados de ofender o ministro do STF Alexandre de Moraes nas redes sociais. Também em 2020, Iseppi foi responsável por condenar Amaury Ribeiro Jr., jornalista e autor do livro A Privataria Tucana, a 7 anos e 10 meses de prisão por quebra de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao ex-governador José Serra.
No caso de Léo Lins, a juíza aplicou a pena máxima: 8 anos e 3 meses de prisão, R$ 1,4 milhão em multa e R$ 303,6 mil em indenização por “danos morais coletivos”. A sentença citou que “a liberdade de expressão não é absoluta” e considerou as piadas como formas de violência simbólica. A base jurídica da condenação incluiu trechos da chamada “Lei Antipiada” — um pacote legal aprovado no Congresso com apoio de partidos de esquerda e sancionado por Lula, que ampliou o escopo das leis contra discurso de ódio para abranger manifestações artísticas e humorísticas.
Esse caso é emblemático da lógica de funcionamento do Complexo Industrial da Censura: ONGs politizadas provocam o Ministério Público com denúncias de ofensa simbólica, o MP transforma essas denúncias em ação judicial sob o manto da “tutela coletiva”, e o Judiciário aplica punições com base em interpretações amplas de leis feitas para outro contexto. O resultado é a criminalização de manifestações culturais e o enfraquecimento da liberdade de expressão.
O Ministério Público, nesse arranjo, deixa de ser um fiscal imparcial da lei e se torna protagonista ideológico. Sua autonomia funcional e a ausência de freios externos tornam viável esse tipo de atuação, que dispensa vítimas concretas e se apoia em conceitos vagos como “impacto coletivo presumido” e “discurso inaceitável”. O caso de Léo Lins, longe de ser um desvio isolado, é apenas um exemplo de como a máquina da censura institucionalizada opera hoje no Brasil.
Mais do que punir um comediante, a sentença abre caminho para que outros artistas, críticos e cidadãos comuns também sejam enquadrados por expressar opiniões consideradas “inaceitáveis”. E isso não tem a menor graça.
Assista na plataforma Rumble o show completo sem censura (VPN necessário porque o Rumble saiu do Brasil por causa da censura).
Primoroso. Esclarecedor. Ótimo trabalho.
Daqui pra pior! Sem retorno